A V Ó S A R A Z Ã O
Fora de portas
Por Ricardo Morla*
Pediram-me para fazer um artigo sobre a minha experiência nos EUA, onde passei o último ano. Este não é daqueles artigos que merece uma resposta do “Consultor do Leitor”, mas apenas um pequeno relato de algumas coisas que achei interessantes e que gostaria de contar.
Além do mais, quando leio esta coluna faz-me sempre confusão não saber a autoria das opiniões do “Consultor do Leitor”. Ia aliás recusar este convite e propor outro formato, mas quando me apercebi já era tarde de mais para recusar.
Para já um pouco de contexto: em Junho de 2006 defendi a minha tese e, no fim de Julho, comecei um pós-doc em Ciência de Computadores na Universidade da Califórnia em Irvine. Irvine é a sul de Los Angeles, típica “suburbia” americana, e o campus é dos mais recentes do sistema UC e também dos maiores, constantemente em construção.
Os alunos são quase o mix americano - alguns brancos loiros, alguns hispânicos, e muitos asiáticos; muito poucos afro-americanos. Da experiência que tive ao dar uma cadeira de sistemas distribuídos, os alunos são muito calados e a participação é média, talvez o contrário daqui - segundo a minha experiência, muita confusão e muita participação.
A competitividade foi o que mais me marcou durante a minha estadia na UCI. Não no sentido normalmente associado à palavra de tentar prejudicar os outros, mas no sentido de não se deixar ficar no conforto do sofá. Por exemplo, os professores recebem durante nove meses do ano. Para os outros três meses precisam de arranjar projectos que cubram o seu salário.
É claro que se não conseguirem, a sua sobrevivência não fica posta em causa, mas não tendo projectos não se tem alunos ... e sem alunos não há publicações ... e sem publicações ao fim da “tenure” de cinco anos vai-se para o olho da rua.
Mais, o sistema de gestão de recursos nos projectos é totalmente dependente do investigador responsável, normalmente em equipas pequenas - um professor (auxiliar, associado, ou catedrático), alguns pós-docs, e vários alunos de doutoramento. Não se pode dizer que a burocracia não complique as coisas, pois a Universidade da Califórnia tem um extenso conjunto de regras que é preciso cumprir. Mas, como em todo o lado, é preciso saber dar a volta às coisas.
A presença das empresas também é um factor determinante para a investigação. Por exemplo, um senhor chamado Donald Bren doou o novo edifício onde a Escola de Informática e Ciências dos Computadores se mudou. Nem de propósito, chama-se “Bren School of Information and Computer Cience”.
Esse senhor comprou um rancho, urbanizou-o, alugou todos os lotes, e doou terreno da UC Irvine. No processo ficou rico, e permite-se fazer estas pequenas doações. Apesar de o Silicon Valley ser mais a norte, perto de S. Francisco, muitas start-ups também ajudam à festa, como por exemplo na minha área a LinkSys, posteriormente comprada pela Cisco Systems.
Outro exemplo de participação empresarial é uma cooperação do meu grupo na UC Irvine com uma companhia que quer desenvolver um sistema pessoal de transporte de massas (http://www.skytran.net/).
Apesar de alguns objectivos predefinidos pela empresa, o nosso grupo tem facilidade em levar o projecto pelo caminho de investigação que interessa ao grupo sem restrições por parte da empresa. Algo que eu na minha experiência anterior, onde os projectos com empresas são muitas vezes projectos de desenvolvimento, verdadeiramente desconhecia.
Resumindo, a minha experiência em Irvine foi extraordinária, e como deve ser já óbvio, aconselho toda a gente a sair e fazer algo fora de portas.
* Colaborador da Unidade de Telecomunicações e Multimédia (UTM)
CONSULTOR DO LEITOR COMENTA
Ora até que enfim que a curiosidade humana venceu o natural pudor e alguém inquire quem é, de facto, o consultor do leitor. Ficámos curiosos e fomos à procura de quem nos informasse. Enquanto a resposta não nos chega, aproveitaremos para saudar-te Ricardo, e concordar contigo: ir fora de portas abre-nos portas dentro de nós.
Confrontaste-te com um ambiente amadurecido e nós, por cá, estamos a tentar construir um. Referes uma certa liberdade de que dispuseste apesar de a tua actividade estar englobada num projecto com a indústria, por contraste com a tua experiência por cá. Mas a diferença é óbvia: no ambiente americano, contactaste com verdadeiros projectos de investigação com a indústria enquanto que por cá a sobrevivência nos obriga, muitas vezes, ao compromisso de trabalhar mais em contratos de desenvolvimento.
Mas a derivada é boa, em cada ano fazemos um pouco mais que dantes. E tu vais contribuir.
Ora deixa ver: chegou um email com a informação pedida. O Consultor do Leitor é u?xP..R$d3ts...ffffft....grrr... |