Número 1 Público / 15 Interno (Fevereiro 2002)
Ficha técnica
Comentários e sugestões: bip@inescporto.pt

Destaque |Notícias |Editorial |A vós a razão |Tribuna |Galeria do insólito |Asneira livre |B.i.p |Bip em campanha |Arquivo |Início

 
USE ajuda a formar Mercado Ibérico da Electricidade

 

 

A USE tem vindo a apoiar a Entidade Reguladora do Sector Eléctrico em questões técnicas ligadas à criação do Mercado Ibérico de Electricidade. João Peças Lopes, Manuel Matos e José Pereira da Silva (com a ajuda de Manuel João Aguiar) são, para já, os consultores de serviço na construção do modelo que permitirá em breve juntar a energia eléctrica de Portugal e Espanha num só mercado. O objectivo é unir esforços para embaratecer a energia nos dois países e evitar desperdícios. O INESC Porto é a única instituição de I&D com papel consultor neste processo.

 

Fase de discussão
"Na prática, a tarefa da USE neste processo é acompanhar a definição do modelo segundo o qual o sistema integrado de Portugal e de Espanha vai funcionar em termos de mercado relativamente à comercialização da energia eléctrica e em termos técnicos em relação à forma de operação". Quem o diz, com a boa disposição que o caracteriza, é João Peças Lopes, que coordena a actividade de consultoria que a Unidade tem vindo a prestar à ERSE.

 

Todo este processo teve início em Novembro de 2001, com a assinatura de um protocolo pelos ministros da Indústria e Energia de Portugal e Espanha. Na sequência desta decisão política, os Reguladores elaboraram um documento de discussão onde explicitaram várias perguntas comentadas para, assim, lançar uma discussão pública alargada.

Às questões responderam as grandes empresas que operam no sector eléctrico em Portugal, como a REN, EDP, Ecociclo, Fenacoop, CP e Tejo Energia. O contributo da USE tem sido, para já, interpretar as respostas destes agentes e procurar encontrar um modelo teórico equilibrado para o funcionamento do sistema.

"Nesta interpretação, é obrigatório que sejamos muito consistentes e rigorosos naquilo que dizemos", realça o coordenador-adjunto da USE. "Com base nessa análise, começaremos depois a construir um modelo, explorando consensos e utilizando, naturalmente, o bom senso e o conhecimento que adquirimos de experiências que decorreram no mundo nos últimos anos", explica.

 

Exemplos internacionais
De acordo com o investigador da USE, é importante conhecer o que se passa, nomeadamente, nos países nórdicos (modelo Northpool). "Procuramos perceber o que se passa com eles porque aquilo que queremos fazer aqui tem algumas semelhanças", afirma Peças Lopes.

"A percepção do que se passa nos mercados de energia em termos internacionais e a análise dos problemas associados à especificidade do caso português constituirão um auxílio precioso para a construção do modelo do Mercado Ibérico", reflecte o professor.

Funcionamento do sistema
Tudo aponta para que, quando estiver em funcionamento, o sistema tenha um Operador de Mercado com a função de gerir todas as transações comerciais realizadas no Mercado Ibérico. Como explica o investigador da USE, "estas transacções podem ser de dois tipos: através de contratos bilaterais físicos ou através de encontro de oferta e procura em Bolsa".

 

Além deste Operador, existirão provavelmente dois Operadores de Sistema: um em Madrid (que corresponderá às funções da Rede Eléctrica de Espanha) e outro em Lisboa (que desempenhará as funções de gestão técnica atribuídas à Rede Eléctrica Nacional). Segundo Peças Lopes, "a estes operadores caberá validar os contratos físicos definidos na Bolsa, ou seja, validam-nos tecnicamente e gerem operacionalmente o sistema em tempo real, entrando em consideração com aspectos relacionados com serviços de sistema".

Situação actual do sector
Outro trabalho que tem preenchido o tempo destes investigadores é o de caracterizar a situação actual do sector eléctrico em Portugal e Espanha. Por outras palavras, procuram descobrir quais as semelhanças e diferenças nos sectores eléctricos dos dois países (em termos técnicos, físicos, de concentração empresarial e de volume de transacções comerciais).

"A ideia é sabermos até onde é que podemos ir e o que é que podemos explorar, sabendo desde já que a balança tende para o lado de Espanha", explica Peças Lopes. O investigador realça ainda que "em todo este trabalho, existe a preocupação de harmonizar-se os modelos, mas não os uniformizar".

 

Em busca do consenso
Ao que parece, a fase de conflitos de interesses entre Portugal e Espanha ainda vem longe. De acordo com Peças Lopes, "a próxima etapa é analisar as opiniões de Espanha (já trabalhadas pelo Regulador espanhol), e começar a "casá-las" com as portuguesas para identificar os pontos de consenso e desacordo entre Portugal e Espanha ao nível global. Em seguida, avançar-se-á para um modelo mais completo, do conjunto".

Pode perceber-se que este trabalho de consultoria ao mais alto nível envolve uma grande procura de consenso, o que, segundo o professor da USE, é difícil de se conseguir. "Pode imaginar-se que é muito complicado fazer valer certas opiniões contra aquilo que a Endesa ou a Iberdrola (empresas maiores do que a EDP) pensam", exemplifica. Quando os consensos não existem, "tem que se tentar jogar, fazer propostas e fazer um trabalho que se pode chamar de "gestão de equilíbrio"", afirma Peças Lopes.

 

Ganhos para todos
Quanto aos benefícios do futuro Mercado Ibérico, o investigador da USE não tem dúvidas: "ganha Portugal e ganha Espanha, ganhamos todos".

Peças Lopes exemplifica, "o sistema eléctrico português é em geral caracterizado por uma produtividade hidroeléctrica muito grande, enquanto em Espanha, essa componente, sendo grande, não é tão elevada em termos percentuais". "O que pode vir a acontecer é que, num funcionamento em termos de mercado, possamos vender energia à Espanha nas horas de ponta e receber energia de Espanha nas horas de vazio", indica.

O professor explica que o Mercado Ibérico permitirá uma melhor gestão do parque produtor português. Os espanhóis, por seu lado, têm todo o interesse em produzir durante as horas de vazio, até porque as centrais térmicas que queimam o carvão espanhol não podem vir abaixo de determinados mínimos técnicos.

Nessa altura, explica Peças Lopes, "Espanha colocará no mercado, a preços muito interessantes, energia que pode ser utilizada pelos portugueses para fazer bombagem e armazenamento".

Avançar para um mercado
Segundo o coordenador-adjunto da USE, "os portugueses foram avançando muito timidamente e devagar no domínio dos mercados de electricidade". No entanto, a sua crítica não é negativa. "Avançámos devagar porque se calhar tínhamos que o fazer, senão éramos absorvidos, ou seja, o que fizemos foi tentar criar condições para que hoje a passagem não seja tão dolorosa", explica.

 

Outro benefício para Portugal será aprender com os problemas de Espanha. Na opinião de Peças Lopes, "já que vamos mudar, tentaremos não repetir os problemas que os espanhóis já detectaram no funcionamento do seu modelo de mercado".

Reforçar interligações
Um outro aspecto importante deste processo é a necessidade de se reforçarem as interligações entre Portugal e Espanha. De acordo com o professor da USE, "é necessário que as linhas existentes passem a ter maior capacidade, isto é, há investimentos que têm que ser feitos em simultâneo com tudo isto".
Peças Lopes acredita que só fazendo desaparecer as restrições às trocas de energia com Espanha é que será possível ter um Mercado a funcionar correctamente.

 

Período transitório
Outro factor que "é consensual e todos percebem", é que não é possível avançar para o Mercado Ibérico sem se considerar um período transitório. "Esse período servirá para, por um lado, evoluirmos tecnicamente e explorarmos a capacidade de interligação em pleno e, por outro, passarmos progressivamente do modelo que temos para o modelo de mercado", afirma Peças Lopes.

 

 

Segundo o professor, "a grande razão para essa dificuldade de transição reside no facto de o modelo português ser muito diferente do que existe em Espanha". Nas palavras de Peças Lopes, "o modelo espanhol é mais avançado em termos do que se chama o "mercado livre", enquanto o modelo português é mais próximo dos conceitos tradicionais de operação do sistema de energia, onde coexiste um sistema tradicional com uma mini-Bolsa, que não funciona por ser demasiado pequena".

A ideia é "passarmos a funcionar como um modelo integrado de mercado", afirma o investigador da USE, salientando que Portugal só está a seguir as recomendações da União Europeia, nomeadamente do Conselho Europeu de Lisboa, quando Portugal esteve na presidência da UE. "Nessa altura, houve aconselhamento no sentido de estender os conceitos de mercado ao sector eléctrico e nós estamos precisamente nesse caminho", recorda.

Alargamento à Europa
Pensando sempre no futuro do sector eléctrico em Portugal, o consultor já consegue antever os problemas que surgirão numa fase posterior à criação do Mercado Ibérico. "Uma vez que, depois do Mercado Ibérico, queremos chegar ao mercado europeu, vai colocar-se a questão "Como é que vamos explorar também as ligações Espanha - França?"", reflecte.

"Para já" - afirma Peças Lopes - "um grupo de peritos da União Europeia (do qual faço parte) tem vindo a definir quais devem ser as prioridades de investigação na área da energia para o VI Programa Quadro, incluindo temas científicos que irão contribuir para viabilizar, à dimensão europeia, este paradigma". "Em todo este processo, temos tido uma preocupação em conseguir também manter na agenda a integração das energias renováveis, nomeadamente a eólica", realça o professor.

 

INESC Porto privilegiado
Peças Lopes considera que os portugueses são quem mais beneficia em termos de aquisição de conhecimentos com a criação do Mercado Ibérico. "Espanha está muito mais avançada em termos de "know how" sobre a forma como os mercados de electricidade funcionam", reflecte.

Há instituições de I&D em Espanha com algumas semelhanças com o INESC Porto - como é o caso do "Instituto de Investigaciones Tecnológicas", ao qual pertence o professor Tomás Gomez, que faz parte da Comissão de Acompanhamento Científico do INESC Porto -, que têm um conhecimento muito avançado destas matérias. No entanto, segundo Peças Lopes, "até ao momento, não têm sido envolvidas instituições de investigação do lado de Espanha neste processo". 

 

Por sua vez, do lado de Portugal, só o INESC Porto é que está a colaborar com o Regulador, não há outras instituições de I&D envolvidas. Até ao momento, além de Peças Lopes, participam igualmente como consultores da ERSE, Manuel Matos e José Pereira da Silva (com a ajuda de Manuel João Aguiar). Espera-se que, daqui a algum tempo, a equipa venha a ser reforçada com João Tomé Saraiva e Teresa Ponce de Leão.

Em relação aos prazos para o funcionamento do Mercado Ibérico, apesar da vontade política apontar a data de 1 de Janeiro de 2003 para o arranque, Peças Lopes está convencido que, mesmo ao nível dos Reguladores e das Direcções Gerais dos dois países, já se começa a perceber que não será fácil respeitar esse prazo. "Pelo menos, seria positivo que nesse dia começasse o período transitório e estivessem acordadas as etapas de transição", finaliza o professor.