Por Rui Nuno Castro
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"Periodicamente
fazemos uma travessia no deserto" ou "tornámo-nos num país
subsídio-dependente" foram duas das frases que ouvi recentemente
nos "corredores" do INESC Porto. A primeira frase insere-se
no contexto da UTM (e só falo desta Unidade, uma vez que é aquela na
qual estou integrado e a única que conheço bem.)
Contudo, suponho que
se aplique igualmente às outras Unidades. Está relacionada com o
facto de os projectos europeus nos quais o INESC Porto se empenha,
terminarem normalmente em simultâneo e haver um hiato, mais ou menos
longo, entre o término daqueles e o início dos próximos.
Claro que o INESC
Porto não vive só dos projectos europeus, também existem os
projectos nacionais (dependentes da aprovação/financiamento por
parte da FCT) e os contratos com empresas. Como em Portugal,
aparentemente, a aprovação de novos projectos é feita a ritmo de
caracol e o nosso mercado empresarial é reduzido, o resultado é a
tal "travessia do deserto".
O que eu gostaria de
discutir aqui é a inevitabilidade desta situação. Certamente que
não sou o primeiro a abordar esta questão e certamente já muitas
cabeças ilustres que integram esta instituição pararam para pensar
nela. De qualquer das formas, creio valer a pena relançar o repto
para a sua discussão e analisar as suas consequências e, talvez,
formas de a ultrapassar.
Creio que as
consequências são mais ou menos óbvias para todos: durante o tempo
em que decorrem os projectos formam-se equipas, muitas vezes compostas
por recém-licenciados e/ou jovens engenheiros promissores, e quando
acabam os projectos, não havendo continuidade no trabalho, ou se
perdem as equipas, e com elas o conhecimento adquirido, ou os
elementos que as compõem terão de recomeçar tudo quando um novo
projecto aparecer.
Parece-me assim que a
manutenção do conhecimento no INESC Porto será uma função
semelhante a uma onda triangular: ora estamos no pico de conhecimento
numa dada área (quando os projectos se encontram em ritmo de
cruzeiro), ou estamos "a zero" (no intervalo entre
projectos).
Ora somos
"fortes" numa área, ora somos "fracos" na mesma
área. Será que o INESC Porto está condenado a ser uma instituição
que dá formação aos jovens engenheiros e depois os deixa
"fugir" sem com isso nada lucrar? Será que, apesar dos
números esclarecedores apresentados pelo consultor do leitor no
último "A vós a razão", do BIP de Julho, ainda teremos
que fazer muitas mais "travessias do deserto"?
Deixo assim em aberto
algumas questões que talvez possam vir a gerar um debate sempre
saudável.
Muito obrigado a
todos.
* Colaborador da
Unidade de Telecomunicações e Multimédia (UTM)
O CONSULTOR DO
LEITOR COMENTA
OS BEDUÍNOS
Amigo Rui Nuno
Castro, nunca me tinha visto na condição de beduíno, mas agora que
o dizes, mais me parece inteligente a metáfora, se não for esticada
excessivamente: somos beduínos da contratação científica.
Atravessamos o
deserto, dizes: mas a virtude dos beduínos é saberem sobreviver,
mesmo em condições aparentemente duras. Para isso, têm de apurar o
sentido discriminante entre o essencial e o acessório - e têm que se
preparar para as rudes travessias e as tempestades de areia. Não é
só o problema da falta de água ou de comida... onde é que arranjam
energia no deserto para cozinhar?
Pois os beduínos há
muito descobriram que tinham uma fonte de biomassa à disposição: a
bosta de camelo. O engenho é aguçado pela necessidade.
O cenário em que
nós sobrevivemos é o que é. Podemos pensar que contribuímos um
pouco para o transformar, cultivamos uns oásis, etc., mas a realidade
é bem parecida com a que descreves. Os programas públicos de
incentivo ao I&D, nacionais ou europeus, sofrem do mal
diagnosticado de serem vítimas de hiatos. E em clima de crise, as
aplicações financeiras das empresas contraem-se primeiro nas
actividades com mais elasticidade na procura - poderíamos chamar-lhes
"aquisição de serviços de luxo" por contraponto às de
"primeira necessidade". É como a aquisição de bens.
E se não tivermos
actividades, claro que a nossa política de recursos humanos será
reflexo disso. Não somos a Misericórdia nem gerimos casa para os
Sem-Abrigo da ciência, nem a nossa missão se esgota em dar empregos
para a vida inteira.
Onde está, então, a
nossa bosta de camelo? Na diversificação.
O INESC Porto já
pratica há muito uma controlada diversificação de actividades. Os
ovos não são colocados todos no mesmo cesto. Há diversificação
nas áreas científicas mas, mais que tudo, há a diversificação no
tipo de actividades. E a nossa virtude tem sido a sábia composição
de investigação mais laboratorial com desenvolvimento e execução
de contratos com a indústria.
Mas precisamos de
mais. A diversificação tem que fazer-se também nos mercados. Não
me refiro a estar em mercados de telecomunicações, de energia, de
automação de empresas, porque isso já fazemos, e os resultados são
bons. Por exemplo, já houve anos em que a área hoje da USIC foi
muito lucrativa; e outros anos em que a UTM deu forte contribuição
líquida, e a UESP também... E este ano, em que há retracção e
estas unidades se debatem com dificuldades, aparece a Unidade de
Energia com bom desempenho.
Por isso, este tipo
de diversificação é-nos muito favorável, e eu não quereria ter
"inesques" segmentados ou sectoriais.
Mas necessitamos de
outra diversificação: a geográfica. Precisamos de não depender
apenas da conjuntura económica nacional, porque a correlação entre
os mercados é, mesmo assim, ainda muito forte. Precisamos de termos
âncoras em locais tais que a crise de um possa não coincidir com a
crise de outro.
Em primeiro lugar,
Espanha. Não há razão alguma para que o INESC Porto tenha uma
presença tão diminuta em Espanha como a que se verifica
historicamente. Não há fronteira, a nossa capacidade de oferta é
perfeitamente concorrencial, falta-nos apenas uma acção decidida
para começarmos a conhecer esse mercado. Espanha, meu caro, está
cheia de bosta de camelo (não consegui resistir a esta piada...).
Há que reforçar a
presença na UE, e não descurar essa frente. É-nos crucial. Mas há
também que olhar para a América - do Norte e do Sul. Há excelentes
nichos de oportunidade nesses mercados, e não estamos a
aproveitá-los. Precisamos de compreender as vantagens de fazer
alianças nos Estados Unidos, porque dada a nossa qualidade e
capacidade, não ficaríamos afastados à primeira. E precisamos
aproveitar os financiamentos para a ciência que aparecem na América
do Sul, em especial no Brasil, onde também se poderão encontrar
complementaridades muito interessantes.
Precisamos de ti para
esta guerra. Por isso, meu caro, compra um djelabah e sê mais
um beduíno do INESC Porto.
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