Número 7 Público / 21 Interno (Setembro 2002)
Ficha técnica
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Ora somos fortes, ora somos fracos 

 


 

 

Por Rui Nuno Castro *

"Periodicamente fazemos uma travessia no deserto" ou "tornámo-nos num país subsídio-dependente" foram duas das frases que ouvi recentemente nos "corredores" do INESC Porto. A primeira frase insere-se no contexto da UTM (e só falo desta Unidade, uma vez que é aquela na qual estou integrado e a única que conheço bem.)

Contudo, suponho que se aplique igualmente às outras Unidades. Está relacionada com o facto de os projectos europeus nos quais o INESC Porto se empenha, terminarem normalmente em simultâneo e haver um hiato, mais ou menos longo, entre o término daqueles e o início dos próximos.

Claro que o INESC Porto não vive só dos projectos europeus, também existem os projectos nacionais (dependentes da aprovação/financiamento por parte da FCT) e os contratos com empresas. Como em Portugal, aparentemente, a aprovação de novos projectos é feita a ritmo de caracol e o nosso mercado empresarial é reduzido, o resultado é a tal "travessia do deserto".

O que eu gostaria de discutir aqui é a inevitabilidade desta situação. Certamente que não sou o primeiro a abordar esta questão e certamente já muitas cabeças ilustres que integram esta instituição pararam para pensar nela. De qualquer das formas, creio valer a pena relançar o repto para a sua discussão e analisar as suas consequências e, talvez, formas de a ultrapassar.

Creio que as consequências são mais ou menos óbvias para todos: durante o tempo em que decorrem os projectos formam-se equipas, muitas vezes compostas por recém-licenciados e/ou jovens engenheiros promissores, e quando acabam os projectos, não havendo continuidade no trabalho, ou se perdem as equipas, e com elas o conhecimento adquirido, ou os elementos que as compõem terão de recomeçar tudo quando um novo projecto aparecer.

Parece-me assim que a manutenção do conhecimento no INESC Porto será uma função semelhante a uma onda triangular: ora estamos no pico de conhecimento numa dada área (quando os projectos se encontram em ritmo de cruzeiro), ou estamos "a zero" (no intervalo entre projectos).

Ora somos "fortes" numa área, ora somos "fracos" na mesma área. Será que o INESC Porto está condenado a ser uma instituição que dá formação aos jovens engenheiros e depois os deixa "fugir" sem com isso nada lucrar? Será que, apesar dos números esclarecedores apresentados pelo consultor do leitor no último "A vós a razão", do BIP de Julho, ainda teremos que fazer muitas mais "travessias do deserto"?

Deixo assim em aberto algumas questões que talvez possam vir a gerar um debate sempre saudável.

Muito obrigado a todos.


*
Colaborador da Unidade de Telecomunicações e Multimédia (UTM)

 

O CONSULTOR DO LEITOR COMENTA

OS BEDUÍNOS

Amigo Rui Nuno Castro, nunca me tinha visto na condição de beduíno, mas agora que o dizes, mais me parece inteligente a metáfora, se não for esticada excessivamente: somos beduínos da contratação científica.

Atravessamos o deserto, dizes: mas a virtude dos beduínos é saberem sobreviver, mesmo em condições aparentemente duras. Para isso, têm de apurar o sentido discriminante entre o essencial e o acessório - e têm que se preparar para as rudes travessias e as tempestades de areia. Não é só o problema da falta de água ou de comida... onde é que arranjam energia no deserto para cozinhar?

Pois os beduínos há muito descobriram que tinham uma fonte de biomassa à disposição: a bosta de camelo. O engenho é aguçado pela necessidade.

O cenário em que nós sobrevivemos é o que é. Podemos pensar que contribuímos um pouco para o transformar, cultivamos uns oásis, etc., mas a realidade é bem parecida com a que descreves. Os programas públicos de incentivo ao I&D, nacionais ou europeus, sofrem do mal diagnosticado de serem vítimas de hiatos. E em clima de crise, as aplicações financeiras das empresas contraem-se primeiro nas actividades com mais elasticidade na procura - poderíamos chamar-lhes "aquisição de serviços de luxo" por contraponto às de "primeira necessidade". É como a aquisição de bens.

E se não tivermos actividades, claro que a nossa política de recursos humanos será reflexo disso. Não somos a Misericórdia nem gerimos casa para os Sem-Abrigo da ciência, nem a nossa missão se esgota em dar empregos para a vida inteira.

Onde está, então, a nossa bosta de camelo? Na diversificação.

O INESC Porto já pratica há muito uma controlada diversificação de actividades. Os ovos não são colocados todos no mesmo cesto. Há diversificação nas áreas científicas mas, mais que tudo, há a diversificação no tipo de actividades. E a nossa virtude tem sido a sábia composição de investigação mais laboratorial com desenvolvimento e execução de contratos com a indústria.

Mas precisamos de mais. A diversificação tem que fazer-se também nos mercados. Não me refiro a estar em mercados de telecomunicações, de energia, de automação de empresas, porque isso já fazemos, e os resultados são bons. Por exemplo, já houve anos em que a área hoje da USIC foi muito lucrativa; e outros anos em que a UTM deu forte contribuição líquida, e a UESP também... E este ano, em que há retracção e estas unidades se debatem com dificuldades, aparece a Unidade de Energia com bom desempenho.

Por isso, este tipo de diversificação é-nos muito favorável, e eu não quereria ter "inesques" segmentados ou sectoriais.

Mas necessitamos de outra diversificação: a geográfica. Precisamos de não depender apenas da conjuntura económica nacional, porque a correlação entre os mercados é, mesmo assim, ainda muito forte. Precisamos de termos âncoras em locais tais que a crise de um possa não coincidir com a crise de outro.

Em primeiro lugar, Espanha. Não há razão alguma para que o INESC Porto tenha uma presença tão diminuta em Espanha como a que se verifica historicamente. Não há fronteira, a nossa capacidade de oferta é perfeitamente concorrencial, falta-nos apenas uma acção decidida para começarmos a conhecer esse mercado. Espanha, meu caro, está cheia de bosta de camelo (não consegui resistir a esta piada...).

Há que reforçar a presença na UE, e não descurar essa frente. É-nos crucial. Mas há também que olhar para a América - do Norte e do Sul. Há excelentes nichos de oportunidade nesses mercados, e não estamos a aproveitá-los. Precisamos de compreender as vantagens de fazer alianças nos Estados Unidos, porque dada a nossa qualidade e capacidade, não ficaríamos afastados à primeira. E precisamos aproveitar os financiamentos para a ciência que aparecem na América do Sul, em especial no Brasil, onde também se poderão encontrar complementaridades muito interessantes.

Precisamos de ti para esta guerra. Por isso, meu caro, compra um djelabah e sê mais um beduíno do INESC Porto.

 

   

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