E D I T O R I A L
Os Devirfágicos Há pessoas que, na vertigem da angústia da sua insegurança, devoram o próprio futuro e ficam sem nenhum. A esses se convencionará denominar de devirfágicos. Pessimistas, derrotistas, para eles nunca há interesse em nada nem motivação para coisa nenhuma, a não ser para descrer e desdenhar de tudo.
Outros, porém, precisam de diverso alimento. O sonho, som presente desse mar futuro (*).
A crise é dor. Para os devirfágicos a algia não tem sentido, é apenas punição. Conservadores, procuram segurar o dique e tapar as fendas com as mãos, quando a parede já se esboroa e a lagoa escorre. Neles triunfa o sentimento de que a água perde-se e ficarão vazios - e não se lembram do que ela pode a jusante fertilizar.
A crise mundial é também nacional e é também local e vira pessoal. Mas estamos parados? Com o que podemos e sabemos, temos na mão a capacidade de sobreviver e rasgar novos horizontes.
Nunca um devirfágico entenderá o poder da determinação de um sonhador. A tormenta não importa se o vento lhe acelerar o rumo do veleiro. Toda a crise é também uma oportunidade.
Sejamos plantadores de novas naus a haver. A nossa atitude, a nossa ciência, a nossa cultura colectiva dá-nos esperança e ânimo.
Porque é do português, pai de amplos mares, Querer, poder só isto: O inteiro mar, ou a orla vã desfeita - O todo, ou o seu nada. (**)
Somos portugueses, somos de excessos de alma, cavalguemos as virtudes de o sermos. Entre o nada e o tudo, sabemos o que escolhemos. Os devirfágicos afundar-se-ão na sua auto miséria, nós construiremos o que acreditamos.
(*) Fernando Pessoa, D. Dinis, in Mensagem (**) Fernando Pessoa, D. João Infante de Portugal, in Mensagem
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