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Os Institutos de Interface e a Universidade -

- O Caminho das Pedras



Por Mário Adolfo Barbosa*

Quando o tema é "institutos de interface" é obrigatório pensar no papel que o INESC teve em Portugal, na abertura de um caminho que muitos universitários acabariam por percorrer. Este modelo de organização permitiu arejar as universidades, particularmente nas actividades que têm uma relação mais próxima com a sociedade. Hoje, parece fácil, quase intuitivo. Na altura, foi preciso descobrir o caminho que conduzisse a uma maior aproximação entre a universidade e a sociedade.

Apesar de terem sido institutos da área da engenharia os primeiros a serem criados, o modelo foi adoptado por outras áreas, incluindo as ciências sociais. A desconfiança com que o modelo foi inicialmente olhado e as reacções de "corpo estranho" que criou nalguns universitários devem ser encaradas como naturais, por terem emergido numa estrutura que, por natureza, é pouco sensível à mudança. Os institutos de interface não serão, certamente, a única forma de promover a cooperação entre a universidade e o tecido social e empresarial. Porém, em Portugal, talvez não houvesse outra que pudesse vingar nas universidades mais tradicionalistas.

Há quem diga que o modelo não se justifica hoje em dia, porque as dificuldades administrativas já não são o que eram nos anos oitenta. É verdade que muita coisa mudou, para melhor, neste aspecto. Não sei é se a mudança não teria levado mais tempo se não tivesse havido o arrojo de criar institutos. Porém, o modelo não serviu apenas para facilitar a compra de bens e serviços. Esta simplificação, caricatural, reduz os institutos a organizações que procuram fugir a um sistema de controlo que pretensamente é mais rigoroso - o da administração pública -, esquecendo-se a multiplicidade de mecanismos de controlo a que eles estão sujeitos. Desde logo, a universidade a que cada um está ligado e os outros associados têm um papel decisivo na forma como o mesmo é gerido. Além disso, existem sistemas de controlo externos, através do Revisor Oficial de Contas, do Tribunal de Contas, da Inspecção Geral de Finanças, da Fundação para a Ciência e a Tecnologia, da Agência de Inovação, do Ministério da Economia, da Comissão Europeia, só para referir os que me vêm agora à memória, que impedem que um instituto funcione à margem das regras criadas pelo Estado. Todos estes sistemas de controlo deviam ser suficientes para esclarecer e tranquilizar os espíritos que pensam que um instituto pode andar à rédea solta.

Para que mais serviu então o modelo? Serviu para criar uma cultura de responsabilidade. Todos os que neles exercem actividade sabem que a vida do instituto depende do espírito de iniciativa, da capacidade de gestão e da visão dos seus membros. Todos sabem também que a ineficácia tem um preço elevado e que não basta nascer para se existir. Sabe-se que não há, no orçamento da universidade ou de qualquer departamento do Estado, uma linha que garanta a vida eterna. Mesmo o sistema de apoio mais estável, criado recentemente para os Laboratórios Associados, tem um horizonte de financiamento muito curto (5 anos, após os quais a continuação do financiamento depende de uma avaliação).

O modelo serviu ainda para que a investigação de carácter interdisciplinar pudesse organizar-se no seio de escolas e universidades cuja estrutura segue modelos verticalizados do saber. Ao fim de muitos anos de evidências eloquentes sobre a necessidade de serem adoptadas abordagens novas, face à complexidade dos problemas que a sociedade pede à universidade para explicar e resolver, o que vemos? Esses modelos permanecem quase imutáveis. Não será tanto por falta de sensibilidade dos responsáveis das escolas e das universidades que as coisas adquirem este carácter. Talvez seja mais devido ao lastro de um grande navio que para mudar de rumo precisa sempre do acordo da tripulação e dos passageiros. O modelo de gestão universitária que temos é mais adequada à função que o Gil Eannes agora cumpre no porto de Viana do Castelo, do que às viagens que fazia na faina da pesca do bacalhau.

Na Universidade do Porto tem havido a percepção de que os institutos de interface dão um contributo importante à modernização da universidade e permitem-lhe ter actuação visível em áreas que, de outra forma, permaneceriam limitadas pelo espartilho da própria estrutura universitária. Por outro lado, cada vez mais os institutos se assumem como um prolongamento da universidade, como uma outra forma de desta cumprir as suas missões. Percebermos que a biodiversidade se aplica também às organizações tem sido essencial para o prestígio e o desenvolvimento da Universidade do Porto. Falta agora darmos corpo a esta percepção, porventura ainda em estado latente e pouco explícita. A criação de parcerias estáveis entre os institutos e as escolas deveria ser o próximo passo. O ensino deveria ser o seu principal objectivo. Não precisamos de barco para a travessia. Basta encontrar, outra vez, o caminho das pedras.

* Presidente da Direcção do INEB (Instituto de Engenharia Biomédica); Professor catedrático do Departamento de Engenharia Metalúrgica e de Materiais da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto; Presidente do Conselho Científico das Ciências de Engenharia da Fundação para a Ciência e a Tecnologia.

 

Tribuna

Artigo de opinião de convidado da Redacção do BIP.