B o l e t i m Número 48 de Fevereiro 2005 - Ano IV
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D E S T A Q U E

Unidade de Telecomunicações e Multimédia alarga horizontes

A inteligência que se ouve

Quando alguém entra numa sala com um PDA (agenda electrónica portátil), a câmara detecta-o e a sua imagem aparece no projector. O PDA identifica o seu estilo de música preferido e das colunas começa imediatamente a ouvir-se, por exemplo, música rock. Este é um dos resultados do “Ambient Intelligence project”, desenvolvido por Ricardo Duarte, Filipe Abrantes e António Madureira. Para concluírem a licenciatura em Engenharia Electrotécnica e de Computadores, estes estagiários desenvolveram um projecto futurista que veio abrir um novo caminho na Unidade de Telecomunicações e Multimédia. Portugal já os conhece pelo Jornal de Notícias e pela RTP.

 

Estagiários criam uma rede ambiente
O objectivo do Ambient Intelligence project (AmI) foi a criação de uma rede ambiente. Foi implementado um cenário em que o ambiente interage e se molda às características das pessoas. As características podem ser tão diversas como o gosto musical e o sistema é adaptável ao uso de sensores. O cenário engloba dispositivos móveis, como PDA e telemóveis, comunicando por bluetooth e wireless lan. Os espaços físicos onde pode ser aplicado são quase sempre edifícios ou espaços públicos, como shoppings, empresas ou casas.

Ricardo Duarte, Filipe Abrantes e António Madureira conceberam o AmI como projecto de fim de curso. Cerca de um ano depois, Ricardo Duarte e Filipe Abrantes passaram de finalistas de Engenharia e estagiários a investigadores em programas de doutoramento e projectos, no INESC Porto. António Madureira, por seu lado, está a desenvolver mestrado em Delft, na Holanda.
 

Um ambiente adaptado às pessoas que nele estão
O projecto iniciou-se em Dezembro de 2003, no âmbito dos projectos de fim de curso da Licenciatura em Engenharia Electrotécnica e de Computadores (LEEC). Ricardo Duarte recorda que, na altura, estavam interessados em projectos de redes, especialmente em alguns dos projectos orientados por Manuel Ricardo, que envolviam investigação com tecnologias novas. No entanto, embora interessantes, os projectos não eram totalmente do agrado dos três finalistas. "Decidimos ir ao INESC Porto pedir mais algumas informações, ver realmente do que tratava cada um deles", revela.

Nesse dia, com a colaboração de Manuel Ricardo e Rui Campos, ambos da Unidade de Telecomunicações e Multimédia (UTM), os alunos acabaram por criar um novo projecto, que envolvia os tópicos dos outros projectos, mas cujo resultado final seria algo mais interessante: um ambiente totalmente adaptado às pessoas que nele estão. Depois desta primeira abordagem, seguiram-se algumas reuniões para refinar o conceito e, no final de Janeiro, já estavam completamente definidos os objectivos e o aspecto final que tomaria o demonstrador.
 

Algo que imediatamente entusiasmou a plateia
Filipe Abrantes evoca o dia em que tudo começou: "Estávamos num fim de dia qualquer no open space da UTM com o professor Manuel Ricardo e alguns dos investigadores da Unidade a tentar criar um projecto novo mais ambicioso que fosse realmente motivador". A ideia acabou por partir de uma proposta do bolseiro Rui Campos: introduzir o conceito de ambiente inteligente num testbed de redes espontâneas (redes ad-hoc).

Segundo Filipe Abrantes, essa ideia foi algo que imediatamente entusiasmou a "plateia". "Quando demos por nós, estava já o professor a falar-nos sobre serviços adaptados às preferências dos utilizadores e de uma interacção mais fácil entre as pessoas e a tecnologia que disponibilizava esses serviços", recorda.
 

Os cenários de aplicação dependem da imaginação
Questionado sobre os possíveis cenários de aplicação deste projecto, Ricardo Duarte garante que as possibilidades e os diferentes cenários de aplicação dependem apenas das necessidades e da imaginação. Numa das demonstrações que fizeram, os estagiários tentaram mostrar um restaurante onde as "sugestões do dia" reflectissem os gostos da pessoa que olhava para elas.

Neste caso, o motivo na parede do restaurante mudava consoante o estado de espírito da pessoa, e a música do restaurante era escolhida para agradar à maioria das pessoas que nele estavam. Outro exemplo é o do projector, que informa as pessoas da sua presença e lhes diz como podem fazer para colocar a imagem do seu PDA, na tela.
 

A Domótica como solução integrada
Quando se fala neste projecto é inevitável referir o seu parentesco com a Domótica (edifícios inteligentes). Ricardo Duarte considera que, apesar de perseguir os mesmos objectivos de adaptação do ambiente às pessoas, a Domótica opera de uma forma mais primitiva que o AmI. "Este projecto, ou seja, o conceito de rede ambiente, é a extensão óbvia do que hoje é feito nesses domínios", assegura.

Manuel Ricardo, investigador da UTM e orientador dos estagiários neste projecto, concorda que a Domótica, como solução integrada, aparece naturalmente como uma excelente área de aplicação do AmI. O professor acredita ainda que muitas das soluções embebidas neste demonstrador vão estar certamente presentes nos equipamentos do futuro. "Algumas das soluções têm vindo a ser desenvolvidas para projectos onde se encontram empresas como a Nokia, NEC, Siemens, Ericsson, e a BMW, que as usam", revela.
 

O que nos pode facilitar a vida
A principal característica de um ambiente inteligente é a sua capacidade de tornar o espaço funcional mais útil e agradável para quem dele usufrui. Nas casas inteligentes, muitos dos dispositivos da casa requerem a interacção das pessoas. A maior parte destas interacções são previsíveis e um ambiente inteligente tira partido disso. "Prevê essas interacções, baseando-se nas preferências das pessoas que estão nesse ambiente, e toma decisões quanto à acção a realizar", explica Filipe Abrantes.

Há ainda dispositivos que, além de necessitarem do controlo por parte das pessoas, exigem ainda muita atenção, já que o seu controlo é por vezes complicado. Nas televisões, nos gravadores e nas aparelhagens, por exemplo, existem muitos comandos e ainda mais botões. Nestes casos é possível ter dispositivos inteligentes que comunicam entre si (formando um ambiente inteligente), o que pode facilitar a vida das pessoas. Para Filipe Abrantes, as aplicações são realmente infinitas.
 

A inteligência ambiente é a cereja no cimo do bolo
A área de Redes de Comunicação da UTM é composta por 15 pessoas e, na perspectiva de redes, pode afirmar-se que a generalidade dos investigadores tem trabalhos relacionados com o tema. As soluções que têm vindo a ser desenvolvidas relacionam-se com a formação espontânea das redes, a recepção simultânea de informação através de múltiplas interfaces de rede, o fornecimento de qualidade de serviço nestes ambientes voláteis e a introdução de mecanismos de autenticação e encriptação.

Trabalha-se ainda na definição de técnicas que evitem que a rede se congestione, na criação de mecanismos que permitam enviar informação de forma comprimida, e no suporte da mobilidade completa das pessoas terminais e redes transportadas pelas pessoas. "A inteligência ambiente, tal como aparece descrita acima, é a cereja no cimo do bolo, usada para mostrar o valor das nossas soluções", afirma Manuel Ricardo, responsável por esta Área.
 

Muitas das nossas ideias iam caindo por terra
Filipe Abrantes recorda que os principais obstáculos ao desenvolvimento deste projecto foram as dificuldades técnicas. "Estávamos a usar dispositivos limitados e muitas das nossas ideias iam caindo por terra por problemas de hardware e incompatibilidades dos sistemas", revela o engenheiro, reconhecendo que o pior foi a pressão de terem de apresentar um demonstrador funcional no fim do projecto. "Isto era algo que nos perseguia sempre que sofríamos um retrocesso", confessa.

O facto de estarem a usar as mais recentes tecnologias de rede e de comunicação sem fios também se tornou num problema. "Muitas vezes tivemos de implementar as funcionalidades necessárias por nós próprios, ou então modificar as existentes para as adaptar às nossas necessidades", admite Filipe Abrantes. De resto, o actual bolseiro considera foi agradável trabalhar no ambiente inesquiano, pois as pessoas foram acolhedoras e sempre os apoiaram.
 

Algumas noites sem dormir, mas no dia funcionou tudo
Ricardo Duarte concorda que acabaram por ver o seu trabalho dificultado, pois nem toda a tecnologia de que precisavam existia no INESC Porto. "Quisemos que o nosso cenário envolvesse pequenos dispositivos (PDA), as tecnologias de rede mais recentes, sensores e os últimos protocolos de routing e auto-configuração - tudo isto num ambiente Linux. Os objectivos eram muito ambiciosos.", explica.

Com estas condicionantes, o trio só conseguiu ter uma primeira versão do demonstrador, num tempo já próximo da data de entrega do projecto. "A uma semana do dia D, muito poucas coisas funcionavam. Foi uma corrida contra o tempo e algumas noites sem dormir, mas no dia tudo funcionou", revela o investigador.
 

Empenho e paixão pela engenharia
O orientador deste trabalho considera que a afinação do sistema foi a maior dificuldade. Aos alunos que construíram o demonstrador foi pedido que, em três meses, o montassem, integrassem as soluções existentes e fizessem a "cola" necessária para que tudo ficasse demonstrável.

"Foi uma tarefa duríssima, ultrapassável graças ao seu empenho e paixão pela engenharia", admite Manuel Ricardo, reconhecendo que estas continuam a ser características dos investigadores.
 

A cobertura mediática foi uma das surpresas
Afinal, a demonstração correu bem e o projecto cedo despertou o interesse dos meios de comunicação social portugueses. O Jornal de Notícias publicou, em Agosto de 2004, uma notícia de uma página sobre o AmI. Em Dezembro foi a vez de a RTP1 destacar o trabalho destes estagiários no seu Jornal da Tarde. Ricardo Duarte admite que sempre esperou que o projecto fosse algo com interesse, desde logo pelos conceitos que tentava explorar e que estão quase sempre associados ao futuro, mas confessa que o AmI acabou por se revelar cheio de agradáveis surpresas e que a cobertura mediática foi apenas uma delas.

Também Filipe Abrantes estava à espera que o projecto corresse bem e que fosse enriquecedor em termos de conhecimento e experiência, mas acha que a "fama" acabou por ser inesperada. Com os pés bem assentes na terra, Ricardo Duarte salienta que, enquanto o projecto circular apenas em ambiente de investigação, e não tiver uma aplicação comercial ou um modelo de negócio, o sucesso será sempre relativo.
 

Este sistema põe o INESC Porto na linha da frente em Portugal
Questionado sobre as mais-valias que podem advir deste projecto, Manuel Ricardo não tem dúvidas: reconhecimento internacional, emprego altamente qualificado e muito bem remunerado para os alunos que trabalham com o INESC Porto durante uns anos, e valor acrescentado para as empresas europeias com quem o Instituto trabalha. "Se algum dos investigadores quiser lançar uma empresa, melhor ainda", sugere o professor.

Para Ricardo Duarte, uma mais-valia imediata deste projecto é o facto de poder ser usado para exemplificar o uso real das novas tecnologias de rede que estão a ser desenvolvidas no INESC Porto, de uma forma interessante para quem o vem visitar. "O facto de termos um sistema deste tipo hoje a funcionar coloca o INESC Porto na linha da frente, em Portugal, nesta área", garante.
 

Uma área que está na moda
Em ambientes inteligentes existem requisitos importantes ao nível do processamento de sinal (reconhecimento de identidade e de acções pela fala ou pela imagem) e também ao nível da electrónica, pois os sensores têm um papel de extrema relevância em ambientes inteligentes e, para tornar os dispositivos inteligentes, são também necessárias funcionalidades no hardware que actualmente não existem.

Filipe Abrantes está, assim, convicto de que esta é uma área que "está na moda" e que envolve várias áreas de conhecimento do INESC Porto. "Do ponto de vista da instituição, este seria um bom tópico para tentar integrar o trabalho que é desenvolvido nas várias unidades e, com um conhecimento forte nesta área, facilitaria com certeza a parceria do INESC Porto com empresas do ramo", prevê.
 

A ideia do ambiente que se molda às pessoas de forma automática e transparente
Manuel Ricardo considera que esta é não só uma área a apostar, como se observa que uma fatia significativa dos investimentos de I&D europeus, dos quais o INESC Porto depende, se destina precisamente a estas áreas. "Na realidade, enquanto grupo de I&D europeu na área das redes de comunicação móvel, não temos mesmo muitas alternativas de trabalho", justifica o responsável.

O número de projectos que aparecem, quer da comunidade de investigação, quer de algumas empresas, demonstra que esta é uma área que ganha cada vez mais importância. Ricardo Duarte acredita que o conceito em si é algo sempre associado ao futuro, e que esta ideia do ambiente que se molda às pessoas de forma automática e transparente vai acabar por, mais cedo ou mais tarde, ser implantada.



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