Quando alguém entra numa sala com um PDA (agenda
electrónica portátil), a câmara detecta-o e a sua imagem
aparece no projector. O PDA identifica o seu estilo de
música preferido e das colunas começa imediatamente a
ouvir-se, por exemplo, música rock. Este é um dos resultados
do “Ambient Intelligence project”, desenvolvido por Ricardo
Duarte, Filipe Abrantes e António Madureira. Para concluírem
a licenciatura em Engenharia Electrotécnica e de
Computadores, estes estagiários desenvolveram um projecto
futurista que veio abrir um novo caminho na Unidade de
Telecomunicações e Multimédia. Portugal já os conhece pelo
Jornal de Notícias e pela RTP.
Estagiários criam uma rede ambiente
O objectivo do Ambient Intelligence project (AmI) foi
a criação de uma rede ambiente. Foi implementado um cenário
em que o ambiente interage e se molda às características das
pessoas. As características podem ser tão diversas como o
gosto musical e o sistema é adaptável ao uso de sensores. O
cenário engloba dispositivos móveis, como PDA e telemóveis,
comunicando por bluetooth e wireless lan. Os espaços físicos
onde pode ser aplicado são quase sempre edifícios ou espaços
públicos, como shoppings, empresas ou casas.
Ricardo Duarte, Filipe Abrantes e António Madureira
conceberam o AmI como projecto de fim de curso. Cerca de um
ano depois, Ricardo Duarte e Filipe Abrantes passaram de
finalistas de Engenharia e estagiários a investigadores em
programas de doutoramento e projectos, no INESC Porto.
António Madureira, por seu lado, está a desenvolver mestrado
em Delft, na Holanda.
Um
ambiente adaptado às pessoas que nele estão
O projecto iniciou-se em Dezembro de 2003, no âmbito dos
projectos de fim de curso da Licenciatura em Engenharia
Electrotécnica e de Computadores (LEEC). Ricardo Duarte
recorda que, na altura, estavam interessados em projectos de
redes, especialmente em alguns dos projectos orientados por
Manuel Ricardo, que envolviam investigação com tecnologias
novas. No entanto, embora interessantes, os projectos não
eram totalmente do agrado dos três finalistas. "Decidimos ir
ao INESC Porto pedir mais algumas informações, ver realmente
do que tratava cada um deles", revela.
Nesse dia, com a colaboração de Manuel Ricardo e Rui
Campos, ambos da Unidade de Telecomunicações e Multimédia (UTM),
os alunos acabaram por criar um novo projecto, que envolvia
os tópicos dos outros projectos, mas cujo resultado final
seria algo mais interessante: um ambiente totalmente
adaptado às pessoas que nele estão. Depois desta primeira
abordagem, seguiram-se algumas reuniões para refinar o
conceito e, no final de Janeiro, já estavam completamente
definidos os objectivos e o aspecto final que tomaria o
demonstrador.
Algo
que imediatamente entusiasmou a plateia
Filipe Abrantes evoca o dia em que tudo começou: "Estávamos
num fim de dia qualquer no open space da UTM com o professor
Manuel Ricardo e alguns dos investigadores da Unidade a
tentar criar um projecto novo mais ambicioso que fosse
realmente motivador". A ideia acabou por partir de uma
proposta do bolseiro Rui Campos: introduzir o conceito de
ambiente inteligente num testbed de redes espontâneas (redes
ad-hoc).
Segundo Filipe Abrantes, essa ideia foi algo que
imediatamente entusiasmou a "plateia". "Quando demos por
nós, estava já o professor a falar-nos sobre serviços
adaptados às preferências dos utilizadores e de uma
interacção mais fácil entre as pessoas e a tecnologia que
disponibilizava esses serviços", recorda.
Os
cenários de aplicação dependem da imaginação
Questionado sobre os possíveis cenários de aplicação deste
projecto, Ricardo Duarte garante que as possibilidades e os
diferentes cenários de aplicação dependem apenas das
necessidades e da imaginação. Numa das demonstrações que
fizeram, os estagiários tentaram mostrar um restaurante onde
as "sugestões do dia" reflectissem os gostos da pessoa que
olhava para elas.
Neste caso, o motivo na parede do restaurante mudava
consoante o estado de espírito da pessoa, e a música do
restaurante era escolhida para agradar à maioria das pessoas
que nele estavam. Outro exemplo é o do projector, que
informa as pessoas da sua presença e lhes diz como podem
fazer para colocar a imagem do seu PDA, na tela.
A
Domótica como solução integrada
Quando se fala neste projecto é inevitável referir o seu
parentesco com a Domótica (edifícios inteligentes). Ricardo
Duarte considera que, apesar de perseguir os mesmos
objectivos de adaptação do ambiente às pessoas, a Domótica
opera de uma forma mais primitiva que o AmI. "Este projecto,
ou seja, o conceito de rede ambiente, é a extensão óbvia do
que hoje é feito nesses domínios", assegura.
Manuel Ricardo, investigador da UTM e orientador dos
estagiários neste projecto, concorda que a Domótica, como
solução integrada, aparece naturalmente como uma excelente
área de aplicação do AmI. O professor acredita ainda que
muitas das soluções embebidas neste demonstrador vão estar
certamente presentes nos equipamentos do futuro. "Algumas
das soluções têm vindo a ser desenvolvidas para projectos
onde se encontram empresas como a Nokia, NEC, Siemens,
Ericsson, e a BMW, que as usam", revela.
O
que nos pode facilitar a vida
A principal característica de um ambiente inteligente é a
sua capacidade de tornar o espaço funcional mais útil e
agradável para quem dele usufrui. Nas casas inteligentes,
muitos dos dispositivos da casa requerem a interacção das
pessoas. A maior parte destas interacções são previsíveis e
um ambiente inteligente tira partido disso. "Prevê essas
interacções, baseando-se nas preferências das pessoas que
estão nesse ambiente, e toma decisões quanto à acção a
realizar", explica Filipe Abrantes.
Há ainda dispositivos que, além de necessitarem do
controlo por parte das pessoas, exigem ainda muita atenção,
já que o seu controlo é por vezes complicado. Nas
televisões, nos gravadores e nas aparelhagens, por exemplo,
existem muitos comandos e ainda mais botões. Nestes casos é
possível ter dispositivos inteligentes que comunicam entre
si (formando um ambiente inteligente), o que pode facilitar
a vida das pessoas. Para Filipe Abrantes, as aplicações são
realmente infinitas.
A
inteligência ambiente é a cereja no cimo do bolo
A área de Redes de Comunicação da UTM é composta por 15
pessoas e, na perspectiva de redes, pode afirmar-se que a
generalidade dos investigadores tem trabalhos relacionados
com o tema. As soluções que têm vindo a ser desenvolvidas
relacionam-se com a formação espontânea das redes, a
recepção simultânea de informação através de múltiplas
interfaces de rede, o fornecimento de qualidade de serviço
nestes ambientes voláteis e a introdução de mecanismos de
autenticação e encriptação.
Trabalha-se ainda na definição de técnicas que evitem que
a rede se congestione, na criação de mecanismos que permitam
enviar informação de forma comprimida, e no suporte da
mobilidade completa das pessoas terminais e redes
transportadas pelas pessoas. "A inteligência ambiente, tal
como aparece descrita acima, é a cereja no cimo do bolo,
usada para mostrar o valor das nossas soluções", afirma
Manuel Ricardo, responsável por esta Área.
Muitas
das nossas ideias iam caindo por terra
Filipe Abrantes recorda que os principais obstáculos ao
desenvolvimento deste projecto foram as dificuldades
técnicas. "Estávamos a usar dispositivos limitados e muitas
das nossas ideias iam caindo por terra por problemas de
hardware e incompatibilidades dos sistemas", revela o
engenheiro, reconhecendo que o pior foi a pressão de terem
de apresentar um demonstrador funcional no fim do projecto.
"Isto era algo que nos perseguia sempre que sofríamos um
retrocesso", confessa.
O facto de estarem a usar as mais recentes tecnologias de
rede e de comunicação sem fios também se tornou num
problema. "Muitas vezes tivemos de implementar as
funcionalidades necessárias por nós próprios, ou então
modificar as existentes para as adaptar às nossas
necessidades", admite Filipe Abrantes. De resto, o actual
bolseiro considera foi agradável trabalhar no ambiente inesquiano, pois as pessoas foram acolhedoras e sempre os
apoiaram.
Algumas
noites sem dormir, mas no dia funcionou tudo
Ricardo Duarte concorda que acabaram por ver o seu trabalho
dificultado, pois nem toda a tecnologia de que precisavam
existia no INESC Porto. "Quisemos que o nosso cenário
envolvesse pequenos dispositivos (PDA), as tecnologias de
rede mais recentes, sensores e os últimos protocolos de
routing e auto-configuração - tudo isto num ambiente Linux.
Os objectivos eram muito ambiciosos.", explica.
Com estas condicionantes, o trio só conseguiu ter uma
primeira versão do demonstrador, num tempo já próximo da
data de entrega do projecto. "A uma semana do dia D, muito
poucas coisas funcionavam. Foi uma corrida contra o tempo e
algumas noites sem dormir, mas no dia tudo funcionou",
revela o investigador.
Empenho
e paixão pela engenharia
O orientador deste trabalho considera que a afinação do
sistema foi a maior dificuldade. Aos alunos que construíram
o demonstrador foi pedido que, em três meses, o montassem,
integrassem as soluções existentes e fizessem a "cola"
necessária para que tudo ficasse demonstrável.
"Foi uma tarefa duríssima, ultrapassável graças ao seu
empenho e paixão pela engenharia", admite Manuel Ricardo,
reconhecendo que estas continuam a ser características dos
investigadores.
A
cobertura mediática foi uma das surpresas
Afinal, a demonstração correu bem e o projecto cedo
despertou o interesse dos meios de comunicação social
portugueses. O Jornal de Notícias publicou, em Agosto de
2004, uma notícia de uma página sobre o AmI. Em Dezembro foi
a vez de a RTP1 destacar o trabalho destes estagiários no
seu Jornal da Tarde. Ricardo Duarte admite que sempre
esperou que o projecto fosse algo com interesse, desde logo
pelos conceitos que tentava explorar e que estão quase
sempre associados ao futuro, mas confessa que o AmI acabou
por se revelar cheio de agradáveis surpresas e que a
cobertura mediática foi apenas uma delas.
Também Filipe Abrantes estava à espera que o projecto
corresse bem e que fosse enriquecedor em termos de
conhecimento e experiência, mas acha que a "fama" acabou por
ser inesperada. Com os pés bem assentes na terra, Ricardo
Duarte salienta que, enquanto o projecto circular apenas em
ambiente de investigação, e não tiver uma aplicação
comercial ou um modelo de negócio, o sucesso será sempre
relativo.
Este
sistema põe o INESC Porto na linha da frente em Portugal
Questionado sobre as mais-valias que podem advir deste
projecto, Manuel Ricardo não tem dúvidas: reconhecimento
internacional, emprego altamente qualificado e muito bem
remunerado para os alunos que trabalham com o INESC Porto
durante uns anos, e valor acrescentado para as empresas
europeias com quem o Instituto trabalha. "Se algum dos
investigadores quiser lançar uma empresa, melhor ainda",
sugere o professor.
Para Ricardo Duarte, uma mais-valia imediata deste
projecto é o facto de poder ser usado para exemplificar o
uso real das novas tecnologias de rede que estão a ser
desenvolvidas no INESC Porto, de uma forma interessante para
quem o vem visitar. "O facto de termos um sistema deste tipo
hoje a funcionar coloca o INESC Porto na linha da frente, em
Portugal, nesta área", garante.
Uma
área que está na moda
Em ambientes inteligentes existem requisitos importantes ao
nível do processamento de sinal (reconhecimento de
identidade e de acções pela fala ou pela imagem) e também ao
nível da electrónica, pois os sensores têm um papel de extrema
relevância em ambientes inteligentes e, para tornar os
dispositivos inteligentes, são também necessárias
funcionalidades no hardware que actualmente não existem.
Filipe Abrantes está, assim, convicto de que esta é uma
área que "está na moda" e que envolve várias áreas de
conhecimento do INESC Porto. "Do ponto de vista da
instituição, este seria um bom tópico para tentar integrar o
trabalho que é desenvolvido nas várias unidades e, com um
conhecimento forte nesta área, facilitaria com certeza a
parceria do INESC Porto com empresas do ramo", prevê.
A
ideia do ambiente que se molda às pessoas de forma
automática e transparente
Manuel Ricardo considera que esta é não só uma área a
apostar, como se observa que uma fatia significativa dos
investimentos de I&D europeus, dos quais o INESC Porto
depende, se destina precisamente a estas áreas. "Na
realidade, enquanto grupo de I&D europeu na área das redes
de comunicação móvel, não temos mesmo muitas alternativas de
trabalho", justifica o responsável.
O número de projectos que aparecem, quer da comunidade de
investigação, quer de algumas empresas, demonstra que esta é
uma área que ganha cada vez mais importância. Ricardo Duarte
acredita que o conceito em si é algo sempre associado ao
futuro, e que esta ideia do ambiente que se molda às pessoas
de forma automática e transparente vai acabar por, mais cedo
ou mais tarde, ser implantada.
<< Anterior
| Seguinte >>
|