Número 3 Público / 17 Interno (Abril 2002)
Ficha técnica
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UESP consolida experiência com Redes de Cooperação Empresarial

 

A Unidade de Engenharia de Sistemas de Produção tem vindo a desenvolver, desde 1996, actividade na área das "Redes de Cooperação Empresarial". A ideia é que, face a uma oportunidade de negócio, várias empresas geograficamente dispersas se organizem para, em conjunto, produzirem um dado produto ou serviço. A UESP tem trabalhado em modelos e Sistemas de Informação que permitam às empresas funcionar em rede com eficiência. Esta foi uma das áreas escolhidas no âmbito do Laboratório Associado e os resultados da Unidade em diversos projectos podem considerar-se bastante promissores.

 

Cooperação empresarial
Para se entender a necessidade da criação das Redes de Cooperação Empresarial, é fundamental analisar a evolução das empresas ao longo das últimas décadas. Segundo Jorge Pinho de Sousa, coordenador da equipa que na UESP trabalha nesta área, "desde há anos que às empresas não basta produzir com qualidade e a custos baixos, é necessário que sejam ágeis e flexíveis no sentido de se adaptarem rapidamente às necessidades crescentes de clientes cada vez mais exigentes".

 

Em termos práticos, isto significou a progressiva desverticalização das empresas que foram especializando as suas competências porque os produtos são cada vez mais complexos e a tecnologia é muito mais exigente. Assim, "temos, cada vez mais, empresas mais pequenas, focalizadas num reduzido número de produtos ou serviços e excelentes naquilo que fazem, mas cuja actividade só tem sentido quando fazendo parte de processos produtivos mais vastos e integrados", explica o professor.

De acordo com o investigador da UESP, "o passo natural seguinte é que se criem ligações de cooperação entre empresas e que cada uma explore assim as suas competências nucleares através de organizações temporárias para satisfazer determinadas oportunidades de negócio. Estas "organizações ou empresas virtuais" têm assim uma vida efémera e visam, pela integração das diferentes contribuições (como os componentes de um dado produto), explorar com sucesso essas oportunidades".

Da criação à dissolução de empresas virtuais
A primeira fase deste processo é a criação da rede de cooperação (ou empresa virtual), o que, segundo o professor, é um problema complicado na medida em que "há que conhecer as competências das empresas que são potencialmente parceiros, estabelecer ou consolidar relações de confiança e resolver questões legais e contratuais".

 

É nas fases seguintes (organização e gestão dos sistemas produtivos distribuídos) que, neste momento, a UESP pode ter um papel mais relevante, desenvolvendo modelos e sistemas de informação para apoiar o funcionamento em rede.

A última fase deste processo é a da dissolução da empresa virtual que pode levantar problemas específicos interessantes, como o dos direitos de propriedade.

UESP em acção
Segundo Jorge Pinho de Sousa, o potencial da ideia da cooperação empresarial é enorme, mas esta só pode existir porque as tecnologias de comunicação actuais permitem a concretização das diferentes fases destas organizações temporárias, em termos de gestão, partilha de informação e comunicação entre os vários parceiros, reais ou potenciais.

É essencialmente nestas operações que trabalha a equipa da UESP constituída por Jorge Pinho de Sousa, António Lucas Soares, Américo Azevedo, César Toscano, João Bastos, João Claro, José Raul Luís e Cristóvão Sousa. Como explica o coordenador da equipa, "por um lado, desenvolvemos modelos para estas organizações baseadas na cooperação e, por outro lado, temos vindo a criar uma infra-estrutura tecnológica que permite gerir essas empresas".

"O nosso papel não é criar as redes de cooperação, mas conceber modelos para perceber como elas funcionam e desenvolver ferramentas que permitam às empresas funcionar em rede", realça o investigador. Jorge Pinho de Sousa reconhece que o problema fundamental neste caso é talvez o da partilha de informação e das questões de semântica pois "quando há informação que circula entre várias entidades e pessoas, ela tem, para ser útil, que ser compreendida por todos, da mesma maneira".

Historial da Unidade na área
A actividade do grupo liderado por Jorge Pinho de Sousa nesta área começou em 1996 com o projecto europeu X-CITIC. Este projecto, desenvolvido na indústria dos semicondutores, envolveu várias empresas europeias que cooperavam para produzir circuitos integrados específicos, numa rede global.

O objectivo da UESP nesse projecto era ajudar a gerir a produção fisicamente distribuída e a logística entre as fases de produção. "Nessa altura percebemos que necessitávamos de outro tipo de infra-estruturas tecnológicas mais sofisticadas pois os sistemas das várias empresas são normalmente heterogéneos e não comunicam facilmente", esclarece o professor.

Embora as competências específicas sobre as redes de cooperação empresarial estejam concentradas essencialmente no grupo acima referido, outros projectos na UESP contribuíram para consolidar essas competências. Assim, a partir de 1998, a área de trabalho ligada à Integração Empresarial, liderada por João José Pinto Ferreira, passou a ter como principal área de aplicação o negócio electrónico entre empresas, sendo de destacar os projectos Europeus COBIP e DAMASCOS.

Aproveitando os resultados dos projectos de investigação referidos, foram já executados ou estão em curso projectos de aplicação em redes de empresas nacionais, como o DISPLAN entre a Frezite e Durit e projectos de consultoria. De destacar, na vertente de consultoria o projecto Inauto, liderado pelo António Correia Alves, onde INESC Porto irá apoiar um conjunto de empresas portugueses do sector dos fornecedores da indústria automóvel a implementar soluções de negócio electrónico e redes de empresas, que posteriormente serão divulgadas no sector como modelos a seguir.

Na vertente mais metodológica, é de salientar o projecto europeu MEDIAT-SME coordenado por Luís Carneiro, que teve por objectivo principal desenvolver uma metodologia de suporte à implementação de sistemas de negócio electrónico nas PME's. Esta metodologia deverá ser utilizada pelos consultores que realizem este trabalho em parceria com PME's e pretende reduzir o risco e o custo total associado a este tipo de projectos.

Em termos globais, pode dizer-se que a área de trabalho ligada às redes de empresas foi a maior aposta da UESP nos últimos anos, tendo mobilizando diversas áreas científicas e abrangendo várias fases do processo de inovação desde a investigação à consultoria.

Arquitecturas baseadas em Agentes
Actualmente a equipa utiliza arquitecturas baseadas em "agentes de software", facilitando bastante a gestão dos processos inter-empresariais e da forma como é partilhada a informação entre empresas com culturas e sistemas informáticos heterogéneos, que se conhecem melhor ou pior e que podem querer controlar a informação que partilham.

Este desenvolvimento só foi possível devido ao projecto Co-OPERATE que durou os dois últimos anos e termina neste mês de Abril. "Este projecto foi muito importante para o INESC Porto porque desenvolvemos tecnologia, conceitos e modelos que esperamos generalizar e utilizar noutros contextos", lembra o coordenador da equipa na UESP.

O Co-OPERATE foi desenvolvido para uma rede complexa de empresas que produz componentes electrónicos para a indústria automóvel. Esta rede está "espalhada" pelo mundo e envolve naturalmente importantes problemas de ordem logística.

 

Generalizar a ideia de "rede"
"Temo-nos preocupado em generalizar a ideia de "rede", por forma a tratar estruturas mais complexas do que as "supply chains" tradicionais e "lineares", permitindo múltiplas relações com e entre fornecedores", afirma o investigador.

A grande inovação destas abordagens é que não são aplicáveis exclusivamente a empresas de alta tecnologia. Também as empresas tradicionais portuguesas, que usam desde há muito os conceitos de cooperação, por exemplo através da subcontratação, podem ser "modeladas" como redes de cooperação, e serem desta forma melhor geridas com o recurso às soluções tecnológicas desenvolvidas.

Só UESP e UNL nas RCE em Portugal
Em Portugal, além da UESP, pode afirmar-se que apenas uma equipa da Universidade Nova de Lisboa, liderada por Luís Camarinha de Matos, faz, de uma forma regular, investigação nesta área. "Essa equipa é, em muitos aspectos, complementar da nossa, e lidera um grupo europeu de reflexão sobre estas questões, do qual fazemos parte, e cuja actividade se desenvolve no âmbito do projecto THINK.creative", observa Jorge Pinho de Sousa.

Havendo uma terminologia muito vasta nesta área, que vai desde a denominação de "empresas distribuídas", "empresas estendidas" ou "organizações virtuais", uma das contribuições da UESP tem sido colocar a ênfase no termo "Redes de Cooperação Empresarial". "Inventámos de certa forma, esta ideia...", admite o professor. "Acho que este é o termo certo porque reforça a ideia de cooperação entre entidades e empresas que ganham por trabalharem juntas e que só assim têm possibilidades de sobreviver com sucesso em ambientes extremamente competitivos", acrescenta.

Investigação multidisciplinar
Segundo o coordenador da equipa da UESP, "este tema tem sido a motivação para fazermos uma investigação variada e multidisciplinar, com a produção de artigos que exploram ideias inovadoras, como por exemplo a utilização das Redes de Actores Sociais para enquadrar a cooperação entre empresas. De facto, as relações numa rede de empresas vão muito para além de relações puramente comerciais ou de negócios, tendo uma forte componente social e envolvendo pessoas cujos comportamentos são, em parte, função de verem ou não satisfeitas as suas expectativas".

Cooperação incipiente em Portugal
Na opinião de Jorge Pinho de Sousa, as redes de cooperação em Portugal são em geral incipientes ou excessivamente informais, conduzindo a um relacionamento desequilibrado entre parceiros pois, na maior parte das vezes, baseiam-se em relações que são mais de poder do que de parceria (veja-se por exemplo, o caso, da subcontratação).

Naturalmente que a indústria automóvel constitui uma excepção, uma vez que representa níveis superiores de sofisticação organizacional e tecnológica, bem como assenta em relações contratuais mais duradouras e estáveis. À UESP interessa, no entanto, explorar estas ideias sobretudo em sectores industriais tradicionais como as confecções, o calçado ou a cortiça.

 

Casos práticos
A Unidade já teve oportunidade de testar estas novas abordagens em duas empresas portuguesas com os projectos X-PLAN e IED (Integração de Empresas Distribuídas).

O X-PLAN foi desenvolvido no sector da cortiça, onde a indústria é fortemente distribuída, uma vez que a produção de rolhas passa por várias fases em diferentes locais, tendo frequentemente a última fase lugar nas adegas ou nos grandes produtores de vinho espalhados por todo mundo. Nesta rede de cooperação, os vários intervenientes estão ligados e partilham informação, auxiliados por um Sistema de Apoio à Decisão que permite melhorar a gestão, ao tratar, de uma forma integrada, a produção e a logística. De acordo com o investigador, "o sistema permite ao gestor da rede, que tem um papel decisivo no sucesso do negócio, perceber, em cada momento, que recursos deve usar, que fornecedores deve escolher, se deve utilizar este ou aquele transportador ou se deve contratar um ou vários camiões para resolver um problema logístico inesperado".

O projecto IED na área do calçado, apesar de ser de pequena dimensão e ter apenas um carácter ilustrativo, não deixa de demonstrar o potencial da abordagem, na opinião de Jorge Pinho de Sousa. "A ideia foi fazer uma ligação mais avançada entre o fabricante de calçado e os fornecedores das gáspeas e outras empresas subcontratadas", explicita o professor.

Futuro promissor
Segundo o coordenador da equipa na UESP, existem, na actividade futura do grupo, várias vertentes indissociáveis. Uma é a vertente de investigação onde "há um enorme campo de actividade multidisciplinar e integradora que vai permitir produzir trabalho interessante, estruturar a actividade de projectos de mestrado e doutoramento e dar um contributo de relevo internacional, explorando as especificidades da indústria portuguesa".

 

A outra vertente faz parte do que a Unidade se propôs realizar quando foi lançada a ideia do Laboratório Associado nesta área, ou seja, "desenvolver trabalho mais recuado de reflexão e análise, que permita quantificar os benefícios dos processos de cooperação e elaborar recomendações para a sua implementação" (ver ponto 4 no documento da secção Lab. Associado). Tais resultados permitiriam por exemplo que "entidades governamentais pudessem afirmar o seu interesse em que determinadas empresas se organizem desta forma porque isso vai aumentar-lhes a competitividade", declara o investigador.

Para finalizar, Jorge Pinho de Sousa considera que, com o know-how adquirido, há ainda um conjunto de serviços que poderão ser disponibilizados em breve pela UESP, para ajudarem as empresas a organizarem-se em rede.