Por Fernando Moreira*
É preciso explicar desde já que o texto que se segue
está a ser escrito em Junho de 2003, em Portugal
Continental, mais precisamente em Lisboa. Não que mudasse
substancialmente se fosse escrito num outro mês passado
deste ano, ou da segunda metade do ano passado, ou ainda,
pelas expectativas instaladas no sector, nos meses próximos
futuros. E não precisava de ser escrito em Lisboa, podia
sê-lo em Ferreira do Zêzere ou na Nazaré, ou em Coruche,
e muito dele no Porto, Faro, Funchal, ou qualquer outro
local de Portugal.
Também é necessário dizer que quem o escreve está
numa instituição de interface Universidade - Tecido
Económico. Porque quando começou a labutar nesta área de
charneira, era de Universidade - Indústria que se falava.
Mas entretanto Ministério e a dita Indústria foram-se
transformando, dramaticamente.
Situemo-nos um pouco melhor:
· O passado recente... passou, com dificuldades, e com
consequências ainda por determinar. Em termos nacionais
muito pouco aconteceu de positivo para a nossa actividade
desde as últimas eleições legislativas, e em termos
europeus o hiato entre o 5º e o 6º Programa Quadro não
podia vir em pior altura.
· Os tempos vão difíceis, complicados, incertos. Nacional
e internacionalmente. Com muitos a tentar desesperadamente
ver antes dos outros de onde não vem o combóio.
· À nossa volta continua a acontecer de tudo um pouco:
falências, despedimentos, atraso/congelamento de
investimentos, espartilhamento de orçamentos a montante e a
jusante das nossas instituições.
Neste momento (sempre, mas agora mais forte) recordamos o
que é ser humilde mas agressivo, tentando a todo o custo
manter a criatividade e capacidade inovadora: em suma,
superior capacidade de adaptação. As armas que
tradicionalmente utilizamos para enfrentar os desafios de
natureza diversa que se nos deparam, e que esperamos nos
tragam resultados animadores, já não são muitas, ou já
estão extensamente exploradas.
E agora a crise.
Paradoxal? É possível ser vista assim.
Todos estamos a recuperar novas e velhas formas de negócio,
de parcerias (médio e longo prazo, claro!), de
colaboração com pessoas e instituições. Tal facto está
a criar em todos a convicção que realmente algo está a
acontecer ou, pelo menos, para acontecer. Geramos de facto
muita actividade. E conseguimos iniciar (expectativas de )
relacionamentos contratuais. E vamos com redobrada vontade
(e a indispensável capacidade de recomeçar, vezes sem
conta) a todas as chamadas de propostas que se lançam. AdI,
FCT, POE, POA, POSI, mas também ESA, IST, ...
Mas em que realidade acontece tudo isto? Esperamos meses
pela decisão, ganhamos o concurso, assinamos volvidos mais
alguns meses, iniciamos o trabalho com mais uns meses
passados (enfim, também já fomos forçados a aprender a
esperar por todas as confirmações legais), e começamos o
relacionamento financeiro ainda algum tempo depois.
Ao mesmo tempo que tudo isto se passa (ou seja,
verdadeiramente não se passa, apenas o tempo decorre no seu
ritmo habitual) temos de manter os fornecedores de serviços
básicos em dia, os restantes fornecedores o mais cómodos
possível, os colaboradores em suspenso de notícias, o
Estado sempre em dia! E a banca a ver passar os tais
comboios...
Estupefacção, incredulidade, perplexidade, algum humor
até? Também pode assim ser vista, claro!
Como podemos entender as medidas que vamos sentindo e
antevendo e adivinhando e recebendo a toda a hora? Sejam
elas das tutelas a montante (Investigação, Educação,
Ensino Superior) ou a jusante (Economia), ou nem por isso
(Finanças). Ora há programa, ora não há, ora talvez
haja. Ora esperamos 1 ano, ora assinamos nos próximos
quinze dias. Ora há dinheiro tal como contratado, ora não
há (e quando não se põe em causa o passado...). Ora há
chamadas de propostas, ou mesmo chamadas múltiplas sem
publicação de resultados intermédios, ora afinal não
devia ter havido porque realmente as verbas até já nem
existiam. Ora somos relevantes, ora devemos ser abatidos,
preferencialmente convidados a tropeçar sozinhos. Tudo isto
num cenário dito e propalado de inovação, com discursos,
mostras, intenções, associações, em ambiente transversal
à sociedade e mesmo muito sério (aparentemente).
Paixão, fé? Imprescindíveis!
Temos de (continuar a) ser capazes de nos adaptar às
novas realidades, dinâmicas, vertiginosas, impessoais. No
nosso caso pode-se dizer que não é nada de novo: vendo
bem, já lá vão quase 23 anos de organização, e isso
não se faz apenas com sorte, nem apenas com saber, nem
apenas sozinhos, nem apenas acompanhados, nem apenas cá
dentro, nem apenas lá fora. Continuar a labutar pela
afirmação, procurando insistentemente um posicionamento
que seja relevante quer para os donos, quer para os
colaboradores, quer para os potenciais parceiros nas suas
várias vertentes. Em meia dúzia de palavras, continuar a
tornar a tecnologia acessível.
Se calhar falta-nos (às instituições de interface)
algum associativismo, ou pelo menos um partilhar formal de
situações e meios: as Infraestruturas Tecnológicas não
devem orgulhar-se do mal do isolamento consciente, tão
tipicamente português. Façamos algo por isso!
*
Presidente do
INESC Inovação.