Por Artur Rocha *
Confesso que à semelhança daqueles postais de aniversário
(ou de outros eventos igualmente festivos) em que toda a gente
lê as dedicatórias escritas anteriormente, também eu decidi
dar uma vista de olhos nas edições anteriores desta rubrica.
Descobri, sem grande surpresa, que a maior parte se dedicava
a reflectir sobre o que é o INESC Porto ou sobre o que
deveria passar a ser.
Como concordo que esta rubrica é o local ideal para este
tipo de reflexões, decidi complementar esta visão com o que,
na minha opinião o INESC Porto não é, nem deveria aspirar a ser.
- O INESC Porto não é uma Software House -
Que me perdoem aqueles cujo "core business" não é software,
mas independentemente da área de aplicação, grande parte de nós
passa irremediavelmente a maior parte do tempo a desenvolver... software!
Mas então se nos reconhecem a capacidade de desenvolver as melhores soluções
para determinados fins específicos, porque não podemos nós utilizar
as práticas de gestão de uma "software house" e rentabilizar o nosso investimento?
Simplesmente porque somos uma instituição de I&D e não nos
podemos dar ao luxo de "cristalizar" por um momento que seja.
A dinâmica existente nesta área de actividade é esmagadora,
os nossos pares Nacionais e Europeus devoram-nos vivos se o
fizermos. Com certeza já devem ter notado a crescente dificuldade
em obter um Projecto Europeu efectivamente aprovado (eu notei...)
A melhor arma que temos é tentar manter connosco as pessoas
que desenvolveram essas tais soluções e partir para outra!
O potencial intelectual das pessoas que já viveram essas
experiências é o nosso melhor trunfo para enfrentar as
dificuldades dos próximos "degraus da escada"!
Mas então e a mais-que-conhecida receita de procurar um
parceiro comercial, juntar os "trapinhos" e iniciar uma
relação mutuamente profícua já não funciona? Claro que sim,
e até existem linhas de financiamento específicas para tal...
isto porque a transformação de uma solução em produto para
posterior reutilização representa um esforço muitas vezes
superior ao desenvolvimento da própria solução. A minha única
ressalva aqui é que este processo deve ocupar o menor tempo
possível à nossa "massa criativa" sob pena de a deteriorar,
até porque, no fim... adivinhem quem vai ganhar mais?...
- O INESC Porto não é um local de passagem -
Deixem-me completar devidamente esta afirmação, para que
não seja alvo de reparo para quem acha que o INESC Porto tem
que se preocupar menos com a carreira dos que por cá passam,
e mais com a "semper mui nobre" missão de formar recursos
especializados para o mercado.
Assim, numa altura em que é amplamente reconhecida a
necessidade de gerar massa crítica em torno das diferentes
áreas de investigação, a afirmação necessita de ser complementada
da seguinte forma: "O INESC Porto não é um local de passagem
para os elementos que são necessários à formação de massa
crítica nas áreas em que já desenvolveram e acumularam
competências". Infelizmente esta frase seria demasiado longa
e desapropriada para um (sub)título jornalístico, daí a
pretensa provocação... ;-)
Uma outra boa razão para que estes "núcleos" ganhem massa
crítica e continuem a gravitar em torno do INESC Porto atraindo
conhecimento, prende-se com as acções de prestação de serviços
que fazemos. Nunca defendi que estas acções devam ser "baratas"
ou economicamente competitivas relativamente ao mercado, até
porque na altura em que o mercado tiver a mesma oferta, está
na altura de INESC Porto deixar de as fazer (uma vez mais
devemos resistir à tentação de fazer mais do mesmo), mas isso
requer uma política de gestão de recursos humanos coerente e
não se compadece com a formação de pessoas ou equipas
"just-in-time".
Em jeito de conclusão, poder-se-iam ainda comentar as
inúmeras dificuldades na afirmação científica de áreas jovens,
numa altura em que devido às dificuldades financeiras que nos
transcendem, é complicado assegurar uma produção científica
sustentada e cresce a alergia aos chamados
"projectos-que-não-libertam-margem"... mas enfim, temos que
viver com isto.
Aqueles que me conhecem melhor sabem que sou um optimista
por natureza, e como tal, à medida que 2003 vai terminando e
2004 se aproxima já quase consigo ver "a luz ao fundo do
túnel"... ou será um comboio!? ;-)
* Colaborador da Unidade de
Sistemas de Informação e Comunicação (USIC)
O CONSULTOR DO LEITOR COMENTA
Vamos apanhar esse comboio…
Caro Artur, a tua reflexão é interessante e, com agrado
o digo, de muito sentido estratégico. O que afirmas tem
certamente valor como grandes linhas de pensamento que
servem de balizas orientadoras para as opções de cada
momento.
Deixa-me fundir as questões da passagem pelo INESC Porto
e do software. Gostaria de escutar a tua opinião sobre como
é que podemos ter uma estratégia de nos mantermos
actualizados tecnologicamente sem fazer rodar pessoas. Quero
eu perguntar: com as mesmas pessoas sempre, não há o risco
de "encalharmos" tecnologicamente? (há sempre o
risco de as pessoas ficarem presas à tecnologia que
aprenderam… sem evoluirem para outra… e também não é
possível ter todo o tempo as pessoas em aprendizagem,
senão não fazem outra coisa…)
Este não é um problema novo, mas é certamente um
problema actual. Queres contribuir?
Quanto à "alergia" sobre os projectos que não
libertam margem, ela é real e - digo-te sem hesitação -
é uma das alergias saudáveis que conheço.
Todavia, há também em nós, tem que haver, o conceito
de investimento. A forma mais organizada de efectuarmos o
nosso investimento em tecnologia e inovação tem que ser
usando, tanto quanto possível, os mecanismos de suporte à
I&D disponíveis, nacionais e internacionais. Os
projectos submetidos à FCT têm que estar na primeira linha
de preocupação (infelizmente, a FCT é que tem estado
ausente…). Os projectos em consórcio com a indústria
também têm que ser pensados com esse objectivo.
Mas é preciso verificar que condições temos. E uma das
condições necessárias é uma forte liderança científica
e de sentido estratégico Temos? Se não temos, há que ir
buscá-la, onde houver e estiver disposta a agarrar o nosso
projecto e o nosso modo de estar na vida.