Igual a si mesmo e imune à erosão do tempo, José Tribolet
evoca, nesta entrevista exclusiva ao BIP, os ideais que
estiveram na génese da formação do Instituto de Engenharia
de Sistemas e Computadores em 1980. O fundador do INESC vê
vantagens nos cenários de crise e considera que os
investigadores devem apresentar projectos com pés e cabeça
que atinjam efectivamente os resultados esperados. Para
Tribolet, temos que ter apostas e projectos que transformem
a vida social portuguesa e a falta de dinheiro não pode ser
usada como desculpa, pois garante que nunca deixou de ter
financiamento para os projectos em que acreditou.
“Aprofundem o pensamento sobre o que estão a fazer” é o desafio que
lança.
BIP
- Não vem muitas vezes ao Porto. Costuma acompanhar as
actividades do INESC Porto através do BIP?
José Tribolet - Sim, e acho
notável esta forma de comunicar que tem vindo a ser
prosseguida aqui no INESC Porto ao longo dos últimos anos. É
uma obra de muita qualidade e um elemento essencial para a
construção de uma organização viva. A única iniciativa
anterior parecida com o BIP foi o Infor INESC, que se
publicou durante cerca de 10 anos e também teve muito
mérito. Só que era muito menos participado e abrangente do
que o BIP. Era mais ideológico, enquanto o BIP é muito mais
implantado no dia-a-dia da instituição e voltado para a
comunicação entre os grupos. Estão todos de parabéns,
especialmente os seus fundadores e responsáveis.
“O INESC Porto é aquele em
que me revejo mais”
BIP
- Agradecemos os elogios. Esta entrevista será uma espécie
de balanço sobre a actividade do INESC, não é assim?
JT - Esta entrevista está
prometida há anos ao Vladimiro. Disse-lhe que só dava a
entrevista quando tivesse coisas para dizer e confesso que,
durante estes últimos anos, podia falar muito mas não tinha
muita coisa para dizer. Neste momento, com toda a humildade
e incerteza que qualquer pessoa com bom senso e formação de
base científica deve ter em qualquer momento da vida, tenho
a cabeça arrumada. É isso que tenho que transmitir pela
primeira vez. Esta é uma reflexão interna e “exclusiva”.
Resolvi apresentá-la aqui porque, de todos os INESC’s como
estão actualmente estruturados, o INESC Porto é aquele em
que me revejo mais proximamente sobre o meu conceito de
formato INESC, como eu o concebi e procurei desenvolver numa
certa fase. Agora somos muitos e ainda bem. Isto vai-se
desenvolvendo e temos novos líderes, mas o INESC Porto é na
suas várias valências o mix mais próximo do que acho
adequado para a problemática em que nós estamos.
BIP
- E concretamente qual é a problemática que vem apresentar?
JT - A problemática que
venho aqui apresentar é uma reflexão que tem a ver com o
nosso papel como membros deste sistema de educação, ciência
e tecnologia - o sistema INESC. Qual é o nosso papel e que
missões é que vale a pena propormo-nos, quer
individualmente, quer colectivamente neste momento perante o
futuro.
“Nunca vi o INESC como um
organigrama”
BIP - E
qual é então o papel do INESC actualmente?
JT - Desde logo vou
constatar e reafirmar algo que eu sempre disse: o INESC,
estas instituições que temos, são ferramentas para atingir
fins. Lembro um artigo que vai ser publicado em breve do
Prof. Manuel Graça da FEP, que tem relações com o INESC
Porto há vários anos, em particular com o grupo de Óptica.
Nesse artigo, fala sobre a visão
que tem do INESC, desde a sua fundação até meados dos anos
90. Muito fundamentado com modelos de ciência e tecnologia,
o artigo esclarece uma coisa muito importante: há duas
maneiras de interpretar as organizações na sociedade. Uma é
pelo que são, outra é pelo que fazem, tal como as pessoas.
As entidades que fazem parte da nossa sociedade normalmente
são activas. São, existem e têm comportamento.
BIP - E acha que o INESC
não é activo?
JT - A história do INESC só
se compreende pela acção, pelo que se faz, pelo que se fez e
pelo que se pretende fazer. A forma como estamos na
sociedade é um instrumento para suportar o que fazemos ou
queremos fazer. Claro que este tipo de posicionamento dá uma
dinâmica diferente do posicionamento institucional no
sentido que somos, temos uma organização com direcções,
departamentos. Eu nunca vi o INESC como um organigrama.
Vamo-nos concentrar no que queremos, nos desafios que temos.
“Recuar e viajar por estes 23
anos e meio de INESC”
BIP - Como
fundador do INESC, encontra-se numa posição privilegiada
para avaliar o que se fez e o que se pretende fazer...
JT - É verdade, vou começar
por caracterizar a envolvente e o ponto da realização
institucional em que estamos e, a partir daí, formular
alguns desafios. Antes disso, temos que recuar e viajar por
estes 23 anos e meio de INESC. Quase a fazermos 25 anos, é
oportuno irmos recuperando estas ideias.
BIP
- A história do INESC começa em 1980...
JT - Fundamentalmente, temos
nos anos 80 um Portugal que está a sair de uma fase muito
conturbada, instável e rica - os anos 70, a revolução
directa. Entra nessa fase com líderes políticos com profunda
maturidade pois vêm dos tempos da resistência. Têm uma
formação política profunda e muito entusiasmo. Também há
gente nova, que viveu a guerra. Há muita diversidade,
combatividade, pureza de intenções e outras coisas também.
Há ainda um instrumento fundamental: o Estado. A projecção,
a construção da Nação fez-se durante os anos 80, por recurso
ao Estado, através das empresas públicas. O sector privado,
tirando algumas empresas estrangeiras, tinha nessa altura pouca
relevância, no sentido de assumir-se e ser visto como o
construtor do País.
“A entrada na Europa e as
privatizações”
BIP
- Actualmente, há investigadores nos vários INESC’s que, por
serem jovens, não assistiram a todo este processo...
JT - Sim, mas já devem
lembrar-se que nos anos 80, se deu o passo de transformação
do contexto geo-político do país, que foi a adesão à UE. A
partir daí avança-se e, no final dos anos 80, sucede a
segunda grande transformação irreversível na estrutura e
posicionamento do país: a decisão de desestatizar a economia, avançar com as privatizações, retirar o Estado do
sector económico. Esse processo foi prosseguido com sucesso.
Diria que de 80 até 95, de uma forma clara, o País tinha uma visão
de si próprio. Estávamos em lutas, em missões. A primeira
missão dos anos 80 foi estabilizar o país, construir um
conjunto de obras importantes para a nossa existência.
Tratava-se de estabilizar aquele período conturbado e rico
da pós-revolução e do projecto de entrada na Europa, que
unificou os principais partidos. Atrás disto, há todo um
movimento suportado pelo Estado e pelas empresas públicas de
ir construindo algumas competências nacionais (estabilizar a
Universidade, dar personalidade e autonomia ao sistema,
entre outros).
BIP - Foi então um
período de grande confiança e optimismo...
JT - Nessa altura, com a
construção e afirmação do País, estávamos num processo onde
todos tínhamos esperança e partilhávamos alguns objectivos
primários. Quando falávamos uns com os outros sobre estas
matérias, havia uma linguagem comum e um entendimento.
Sabíamos que tínhamos que alargar o sistema do Ensino
Superior, fazer investigação, fixar doutorados, ligarmo-nos à
Economia, ajudar as empresas a inovar e a conseguir
projectos europeus. Havia um conjunto de bandeiras que foram
sendo endossadas e eram tomadas e assumidas como nossas.
Tudo isto num contexto universitário onde, devido ao
estatuto da carreira docente e à autonomia, muita gente
relativamente nova viu que podia sentir-se realizada, fazer
coisas úteis. Claro que sempre com limitações e falta de
dinheiro, mas a esperança era um capital positivo muito
superior às coisas chatas do dia-a-dia.
“A recessão europeia e a
privatização da PT”
BIP
- E foi com este pano de fundo que o INESC se foi
construindo...
JT - Sim, o pano de fundo
humano era altamente favorável no início dos anos 90.
Chegámos depois ao período crítico de 93/95 para nós no
INESC, onde começámos a fechar o ciclo do I Programa Quadro.
Mudou o Governo, começou a sentir-se recessão europeia e
assistiu-se à privatização do grupo PT. Isto tem a ver com o
que referi antes sobre o papel das empresas públicas como
extensão da missão do Estado. Há uma privatização, há um não
aclaramento de tudo isso, há todas estas mudanças, mas nós
estamos em movimento.
BIP - Essas mudanças são
favoráveis para o INESC?
JT - Temos financiamentos,
temos programas, estamos a andar. Entra um ministro
socialista (Mariano Gago) a afirmar um conjunto de coisas
positivas, a liderar a modernização através da consciência
da cultura científica, da sociedade de informação e da
aposta na sociedade do conhecimento. São tudo afirmações
positivas para a mudança. Há todo um discurso a favor da
reformulação e uma aposta nos centros de tecnologia, nos
institutos nacionais, quer do Estado, quer como nós. Ainda
por volta de 1996, há movimentos de reflexão profundíssimos.
Estamos todos com dificuldades. Depois ainda há o Euro e a
Expo 98. Estamos ainda no país europeu e está tudo a correr
bem.
“Vi o Estado encostado aos
instrumentos da União Europeia”
BIP
- Quer dizer que tudo está aparentemente a correr bem...
JT - Desde 95/96, comecei a
estar incomodado. Não sei se me exprimi sempre adequadamente
porque é que estava incomodado. Se calhar não sabia muito
bem. Agora sei, até porque tive tempo para pensar.
Basicamente, o que foi acontecendo foi uma desagregação das
noções e dinâmicas de construções colectivas do País. Isto
não tem a ver com o comunismo ou colectivismo, mas com o
facto de ser tão importante sermos nós, individuais, e
lutarmos pelas nossas ideias num ambiente competitivo, como
sermos nós, colectivo, a lutar por objectivos comuns na
nossa sociedade, que tem que se afirmar perante as outras no
mundo em que estamos.
BIP - Qual é então a
grande questão?
JT - É se queremos ou não
ter um País! Se o queremos, temos de o construir. Temos que
saber o que é isso. Vi, a pouco e pouco, que cada vez mais o
Estado se ia retirando da Economia, tinha cada vez menos
instrumentos de actuação e ficava cada vez mais “encostado”
(como está hoje) aos instrumentos da União Europeia, sem
simultaneamente (como os espanhóis fizeram, por exemplo) se
articular para usar esses instrumentos a favor da construção
do País, do todo Nacional.
“Política de grãos de milho
para as galinhas no galinheiro”
BIP
- E em que medida é que essa política afectou a Ciência
e a Tecnologia?
JT - Nós fomos pulverizando
em todos os domínios (desenvolvimento regional, ambiente,
educação, ciência e tecnologia, tudo). É uma política
generalizada que eu caracterizo como grãos de milho para as
galinhas no galinheiro. Muitos grãos de milho, todas as
galinhas têm um ou dois grãos de milho para debicar, tudo
desata a debicar. Comeram o milho e o que temos é um
galinheiro cheio de galinhas. Não mudou nada, está tudo como
estava. Não houve mudança estrutural, não houve
agrupamentos, não houve reorientações, nem apostas
continuadas. Nada. Não houve pensamento estratégico, nem
acções estratégicas para a construção do futuro. Isso não é
algo que se deu agora, isso tem vindo progressivamente a
acontecer.
BIP - Considera que essa
falta de estratégia se deveu à mudança de governo?
JT - Obviamente que é
injusto dizer que aconteceu com a mudança do Governo. Não,
aconteceu devido um conjunto de coisas. A missão de
entrarmos na UE foi conseguida, a missão de privatizar a
economia foi conseguida, a missão de entrar no Euro foi
conseguida e, de repente, descobrimos que nos tínhamos
esgotado em missões que derivavam de uma opção fundamental
pelo espaço europeu e que não tínhamos um tostão de
pensamento sobre o que queremos ser, como vamos armar jogo,
em colectivo. Como é que o Estado, os empresários, as
famílias, os professores, como é que todos jogam para alguns
objectivos.
“Fazemos uma política de II
ou III Divisão”
BIP
- Esse vazio de ideias é então uma consequência de más
decisões políticas?
JT - É mais do que isso.
Acho que o estado em que estamos hoje é pura e simplesmente
a consequência lógica deste esvaziar de impulso estratégico
e de sonho e de utopia. Esvaziou-se porque as gerações que o
lideravam cumpriram os objectivos e cresceram. As gerações
mais novas nunca foram chamadas a participar e a discutir
estas coisas. Temos então estas gerações mais novas a
fazerem as suas vidas num ambiente muito mais afluente.
Somos mais ricos, temos acesso a mais bens do que tínhamos
há 20 ou 30 anos, nomeadamente e desde logo, a liberdade.
Assim, não valorizamos nada e as pessoas são galinhas
individualistas no galinheiro.
BIP - Este individualismo
aplica-se também à classe política, que deve governar e
orientar o país?
JT - Temos uma classe
política que não deriva de lideranças provadas no terreno,
da construção de coisas de interesse nacional. São
lideranças que vivem no meio fechado das coisas políticas. O
que fazemos é uma política de II ou III Divisão. Estamos
agora no momento nacional onde os paradigmas e os modelos
que vieram de toda a dinâmica de revolução e pós revolução,
consolidação, aposta e construção, se esgotaram. Estamos
perante um tremendo vazio em todos os domínios. É sobretudo
um vazio de utopias, que também corresponde a um vazio de
lideranças, mas estas só fazem sentido para levar a bom
porto dinâmicas que pretendem atingir utopias e utopias que
tenham sido construídas pelas pessoas e por elas ractificadas, senão
temos manipulações terríveis.
“Vivemos com a paz podre
antes do vendaval”
BIP
- Para onde nos conduz esta envolvente que acaba de
caracterizar?
JT - O espaço e o momento em
que vivemos é o momento do interregno. É a paz podre antes
do vendaval. E vem aí um vendaval que só nos pode levar a
duas situações: ou nos afundamos como País (e temos altas
probabilidades que isso venha a acontecer, pelo menos 50%),
ou há uma nova revolução de pessoas, de consciências, de
mobilização. Sobretudo de discussão, abertura, propostas,
utopias, onde os portugueses se revêem e onde decidem,
através dos seus mecanismos democráticos, quem vai liderar
para construir que utopias. Isso não está a suceder ainda.
Estamos todos ainda em jogos de II Divisão.
BIP - Não acha a
perspectiva de nos afundarmos como País demasiado
pessimista?
JT - Este não é um discurso
pessimista, eu sou um tipo optimista. Acho que muita coisa
de importante e de boa sucedeu e está a suceder no País.
Penso que a transformação da economia portuguesa é muito
mais profunda do que aparece nos jornais e nas televisões
portuguesas. Há muitas empresas (PME’s e empresas maiores)
que estão a fazer e já fizeram mudanças extraordinárias,
nomeadamente das competências dos seus trabalhadores, das
motivações das pessoas, da sua eficiência, das suas
lideranças. Muitas delas nem se fala porque só se fala dos
problemas.
“Somos um conjunto de patos
bravos a fazer remendos neste bairro de barracas”
BIP
- Qual é a sua maior preocupação no momento actual que
vivemos?
JT - Apesar de haver coisas
boas a andar, há outras que me preocupam muito. Uma delas é
o contexto para um grande vendaval que tem que ser a reforma
da estrutura do Estado e da Administração Pública. Até sou a
favor do grande apertão orçamental que estamos a ter, só
lamento é que continue a não haver propostas. Aliás, acho
que não há nenhum grupo intelectual que esteja a pensar
realmente a sério em propor, perante o povo português,
alternativas de alto a baixo para o tipo de administração
pública que nós queremos ter. Isto vai continuar a ser tudo
um conjunto de patos bravos a fazer remendos neste bairro de
barracas que é a república portuguesa. É pena porque
precisávamos de um impulso muito forte e só uma grande crise
vai obrigar as forças políticas a fazerem um pacto de regime
e a aliarem-se para fazerem isso com os melhores de entre
nós e construírem uma administração pública como o país
exige para a sua sobrevivência.
BIP - E a área da Ciência
e Tecnologia também se retrai com essa falta de
alternativas...
JT - Sim, actualmente
estamos também num estado de grande indefinição de
objectivos para o sistema. Não se trata apenas de Bolonha ou
dos faz e desfaz e das mudanças de ministro e ministra, de
líderes, de formações e de programas na parte científica...
Há dinheiro e já não há dinheiro, depois o dinheiro é para
uns e não é para os outros, porque são desta cor ou são
amigos. Isso tudo é verdade e sempre há-de ser, mas o que
realmente se está a passar é que, no meio desta confusão,
todos estão a olhar para as coisas, instituições e para o
que existe. Deviam antes olhar para o que tem que se fazer,
estar orientados para a actividade e para os objectivos. Que
objectivos temos para alcançar? Temos que formar o quê? É
necessário reciclar 50.000 pessoas dos 30 aos 40 anos?
Agarrar em jovens dos 10 aos 18 anos e explicar-lhes o que é
o espírito científico? Vamos a isso.
“Metade dos universitários
dos INESC’s estão psicologicamente prontos para a reforma”
BIP
- E parece-lhe que já há uma predisposição para se seguir o
caminho que aponta?
JT - Não, continuamos a
discutir as coisas e não as acções e os objectivos. Por
outro lado, o contexto legal continua a ser uma paz podre.
Vivemos numa indecisão sobre se isto muda ou não, se há
estatuto ou não, se há programa, contrato-programa...
Sente-se que a maior parte da geração mais velha, como a
minha, já está confortavelmente instalada e já fez tanto
esforço com resultados sustentáveis, que acaba por se
encostar às boxes. Isto é verdade nos INESC’s todos. Sem
medo digo que pelo menos metade dos universitários que estão
hoje nos INESC’s estão psicologicamente prontos para a
reforma. Precisavam de ir trabalhar para os campos com o Mao
Tsé Tung para virem mais animados e perceberem bem o
privilégio de vida que têm. E que têm obrigações morais de
não desistirem.
BIP - Não considera que a
actual crise pode ser desmotivante para os investigadores?
JT - Não nego que tenham
razões para desistir, mas a vida faz-se de pessoas que vão à
luta e não desistem. Por razões muito razoáveis e que eu
compreendo bem, uma boa metade dos universitários está
encostada às boxes. Isso é inaceitável. Não estou a culpar
as pessoas, nem a desculpá-las. A evolução do sistema
permitiu que isto sucedesse. Ainda assim, somos melhores do
que outras instituições onde 100% das pessoas estão
encostadas às boxes, mas temos que conseguir dar a volta a
isto. Sobretudo os mais velhos têm obrigação de construir
esperança para os mais novos.
“O sistema universitário não
serve o desenvolvimento nacional”
BIP
- E os investigadores mais jovens, que esforço devem
empreender?
JT - Metade dos mais novos,
os assistentes, também está encostada às boxes.
Aparentemente de uma forma diferente porque estão a
trabalhar nos seus mestrados e doutoramentos, estão a dar as
suas aulas. Mas já está cada grilo na sua toca. Comunica-se
muito pouco, sobretudo utopias. As características mais
negativas da corporação universitária, após mais de 20 anos,
vão tomando conta disto como o nevoeiro. E porquê? Porque o
sistema universitário não serve o desenvolvimento nacional,
não está ligado a nenhuma problemática real nacional. Só
existe a missão fabril de pegar em alunos que vêm do 12º
ano, mal formados, que nem sequer deviam entrar na
universidade. Depois há uns tantos que, passados uns anos,
vão saindo para a economia e nós aceitamos tudo isto em todo
o sistema universitário e, ainda por cima, lamentamos que
não nos dão meios.
BIP - Mas não é verdade
que os meios são escassos?
JT - O sistema
universitário é o sistema crítico para liderar, contestar,
perturbar a ordem económica e intelectual, o politicamente
correcto. Pelo contrário, o que temos é um conjunto de
funcionários públicos a protestar, a lamentarem-se. Isto é
verdade no ensino e na investigação. O pior é que de nós não
estão a sair propostas concretas de acções que mudem o país.
Tudo o que queremos é que nos financiem a investigação. Mas
investigação para fazer o quê?
“Temos que ir conhecer as
forças vivas do país”
BIP
- E quando conseguirmos descobrir o que queremos e para que
serve, que caminho devemos seguir?
JT - Espero que, neste tempo
que temos até aos 25 anos do INESC, consigamos mobilizar-nos
para internamente conseguirmos avançar com duas ou três
propostas com sentido. Propostas que tenham princípio, meio
e fim, que representem um quadro de construção estratégica.
Fizemos isso várias vezes. Não teve aparato, nem precisava
de ter porque estava no âmbito das dinâmicas que referi. As
pessoas estavam, além de defender os seus interesses, a
construir qualquer coisa com sentido. Foi assim com o
projecto SIFO no Porto, o projecto Elena em Lisboa, e muitas
outras coisas que se fizeram nos anos 90. Neste momento, só
nos mobilizamos para ir aos projectos europeus ou para
concorrer aos fundos. Mas quando somamos tudo, coloca-se a
questão: “O que é que estamos a fazer?”. Esta capacidade
toda que temos está a ser usada para quê? Não seria melhor
nós focalizarmos, dialogarmos com interlocutores externos?
BIP - E porque acha que
não o fazemos?
JT - Para dialogar é preciso
conhecer. Ninguém conversa se não tem uma base de confiança
mútua. Temos que ir conhecer as forças vivas do país - isto
dirige-se aos mais novos! Os investigadores têm que sair e
ir para a vida nacional. Têm que procurar protagonismo e
escolher um domínio qualquer: os bombeiros, a saúde, as
florestas, a pesca, o turismo, o calçado... Têm que ir lá e
perceber as problemáticas, ir às empresas, aos sindicatos e
ver o que a ciência e tecnologia portuguesas podem fazer por
esses sectores.
“Nunca nenhum projecto em que
realmente acreditei deixou de ter financiamento”
BIP
- O passo seguinte será propor projectos credíveis para as
empresas...
JT - A seguir temos que
planear projectos com princípio, meio e fim, não
projectinhos de três anos. Em vez disso, devemos pensar em
projectos para 10 ou 15 anos, em que acreditamos e que valem
a pena. Da minha experiência ao longo destes anos, posso
dizer que nunca nenhum projecto em que realmente acreditei
ou acredito deixou de ter financiamento. O problema é que
nesta nossa colectividade do INESC, que é do melhor que
existe no país, não se monta jogo para atingir resultados no
âmbito de utopias. E temos muitas capacidades para isso. Nós
ajudámos a evoluir e a transformar várias indústrias e
serviços do país. Não é que fôssemos muito bons, tivemos foi
que formular os objectivos e encontrar interlocutores que
fossem parceiros em termos tais que depois os projectos eram
aprovados.
BIP - Acha que é inviável
fazermos o mesmo actualmente?
JT - Como digo, isto é o
oposto da política actual do I&D nacional e europeu, que são os projectos
individuais a três anos. Tudo isso é válido. Claro que deve
haver financiamentos para jovens investigadores, mas devem
ser enquadrados em acções coordenadas para atingir um, dois
ou três objectivos. Em vez disso, passamos a vida a fazer trabalhinhos, papers, que têm obviamente valor. No entanto,
como não estamos coordenados, o nosso impacto, a nossa
alavancagem conjunta é quase nula, para não dizer às vezes
negativa.
“Ainda bem que as empresas
estão em crise”
BIP
- É necessário haver uma transformação na política de C&T.
JT - Essa transformação tem
que ocorrer. Temos que armar jogo, não só entre nós (essa
parte não é difícil), mas também com o País vivo. Dizem que
as empresas estão em crise. Ainda bem que estão em crise.
Quanto mais crise houver, mais imprescindível vai ser esta
mudança. Sei que há muito bom empresário no País, mas não é
a dizermos que queremos fazer um projecto de investigação
que é muito bom, que conseguimos o que queremos. Esse não é
o contexto de comunicação para nenhum empresário no nosso
País. E se houver um que aceita, encostem-se à parede porque
ele deve estar a preparar alguma. O que é normal é que o
empresário diga que só investe em projectos que acredite e
que lhe dêem resultados. E a nossa missão não é ajudá-lo a
ter resultados? Então temos que saber formar para dar
resultados. Vamos dar resultados a um ano... a três, cinco,
10 anos. Isto não pode ser: nós investigamos, depois vocês
trabalham para alcançar resultados.
BIP - Acha que esse
empenho exigido aos investigadores é compatível com a sua
vida académica?
JT - É impressionante o
estado a que chegou o estatuto da carreira docente, a
dedicação exclusiva e o seu abastardamento completo. É muito
mais confortável para um universitário num certo ponto da
sua vida estar na universidade a dar umas aulas. Pode ainda
escrever um artigo e um livro e por acaso a família dele
também tem uma empresa... Rapidamente acaba por ganhar
dinheiro para viver confortavelmente e não tem que se estar
a chatear com construir a universidade, criar condições para
os mais novos, gerir estruturas de investigação e assumir
responsabilidades pessoais e financeiras. Obviamente, o
enquadramento de tudo isto favorece que sejamos todos
funcionários públicos, no pior sentido da palavra.
“O desmembramento do INESC
foi uma decisão estratégica”
BIP
- Que solução encontra para combater este comodismo?
JT - A solução passa por uma
revolução interior. As pessoas devem saber o que querem
fazer, se se querem encostar às boxes ou se estão aqui para
a “porrada” e então é preciso saber qual é a “porrada”, o
que é que está realmente em jogo. Para mim, o que está em
jogo não é a vida individual de todos nós porque somos de
classes relativamente privilegiadas no País. O problema são
as nossas reformas, o futuro dos nossos filhos e o problema
nacional de Portugal. Claro que com estes desenvolvimentos
europeus, que são importantes, também não haverá problema,
pois os nossos filhos vão terminar os cursos no estrangeiro
e ficarão por lá.
BIP - A decisão a que se
chegará na tal revolução interior é o desafio que lança...
JT - Sim, o desafio é este.
Os dados estão lançados, agora é uma questão de criarmos as
condições para que as lideranças apareçam. O que de mais
importante que se deu no sistema INESC desde 1988 foi a
reestruturação que foi feita. Embora tenha havido
orientações políticas para o desmembramento do INESC no
sentido de perder o seu poder, a Direcção do INESC alinhou e
executou por uma razão estratégica. Não foi para cumprir
ordens políticas, mas foi a forma que nós antevimos como
adequada para, ao criar um conjunto de instituições dotadas
de personalidade e autonomia própria, fazer aparecer novas
lideranças. O objectivo foi definir protagonismos com
implantação local mais clara e gerar um processo mais
saudável, válido pelos resultados das lideranças, da sua
renovação.
“Esta crise não foi
suficiente forte para fazermos as mudanças necessárias”
BIP
- Acha que estão criadas as condições necessárias para o
aparecimento dessas lideranças?
JT - Talvez. Por exemplo,
vejo com imenso interesse o trabalho que aqui no INESC Porto
se tem vindo a desenvolver, nomeadamente a reflexão
estratégica que se está a fazer com gente mais jovem. Todo
este trabalho de abertura e contratação de doutorados fora
do sistema INESC é extremamente positivo numa dinâmica de
vitalidade e renovação. É preciso as pessoas saberem que
estamos numa janela de oportunidade. Infelizmente, parece
que a crise económica e financeira que o país tem vivido
nestes últimos anos se vai resolver. Vem aí a retoma. Digo
infelizmente porque precisamos de nos mobilizar para a
mudança e esta crise não foi suficiente forte para fazermos
as mudanças necessárias.
BIP - O que prevê que
aconteça então?
JT - Costumo dizer que o
Eng. Guterres saiu dois anos cedo demais do Governo. Se as
coisas continuassem a correr da mesma forma, segundo o que
se lê nos jornais, chegaríamos provavelmente a um ponto em
que já não seria possível evitar uma crise profundíssima,
como tem acontecido em alguns países. Nos anos 90, nos EUA,
a reengenharia de reestruturação e o processo de
globalização que se deu nas grandes corporações americanas
levou a que praticamente não houvesse família nenhuma que
não tivesse alguns membros no desemprego bastante tempo.
Isso levou a uma reconversão da economia americana, ao
aparecimento de milhares de pequenas empresas, do
re-posicionamento das corporações, fundamental para a
vitalidade da economia americana.
“Temos que ter apostas e
projectos que transformem a vida social portuguesa”
BIP
- Voltamos à ideia da revolução, mudança, corte com o
passado...
JT - Nós na Europa somos
muito proteccionistas, tentamos abafar as coisas. Ora, as
reformas de fundo normalmente só se fazem quando há grandes
guerras. Com as guerras mundiais limparam-se países. A
guerra de África, cá, também foi a razão porque houve uma
revolução, senão ainda continuávamos no regime não
democrático, todos confortáveis, a protestar imenso. Como
fazemos hoje. A universidade e o sistema científico e
tecnológico, que têm das melhores pessoas do País, têm
obrigação de se posicionar vivamente nisto. Isto não tem
nada a ver com partidos ou governos, tem a ver com vida da
sociedade civil. A ciência e a tecnologia são essenciais na
vida moderna e, como tal, nós neste domínio temos que estar
profundamente empenhados nestas problemáticas da sociedade
portuguesa, para além da nossa participação individual nos
foros sociais, cívicos e partidários.
BIP -
Estas ideias aplicam-se naturalmente ao INESC...
JT - Nós, como organização,
temos que ter apostas e projectos que tenham a ver com a
economia e com a vida social portuguesa, que possibilitem a
sua transformação. Neste momento, se somarmos tudo o que
andamos a fazer hoje (e assumo a responsabilidade porque sou
presidente deste sistema todo), não temos uma única
actividade formulada no contexto estratégico do que estou a
dizer. Zero. Estamos a ser comandados há vários anos pelas
disponibilizações de fundos, pelas regras, financiamentos,
políticas, etc.
“Precisamos de
acções estruturais porque foi assim que se fizeram
auto-estradas”
BIP
- Concretamente, que acções se devem empreender no INESC?
JT -
Quando nos perguntam, de um ano a esta parte, o que
propomos, começamos a dizer que é preciso mais dinheiro para
isto e aquilo. Isso não interessa dizer. Quero é chegar
daqui a um ano e meio e dizer que proponho cinco acções
estruturais no país, cada uma vai levar 10 anos, custa não
sei quantos milhões de contos e envolve estes parceiros.
Vamos a isto. Precisamos de acções estruturais porque foi
assim que se fizeram auto-estradas. É assim que se fazem
mudanças profundas no país. Aqui fica o desafio para os meus
colegas todos do INESC Porto. Que aprofundem o pensamento
sobre o que estão a fazer.
BIP - E
quando podemos esperar beneficiar dessas acções?
JT -
Obviamente que tudo isto tem que ter um substrato
científico, pedagógico e universitário sólido. A outra parte
tem que ter um substrato de intervenção, activista, de
mudança, revolucionário. As grandes revoluções são aquelas
que atingem objectivos. Não são rápidas. Levam 30, 40, 50
anos a fazer. A primeira coisa a saber é quais são os
objectivos. Vamos a isto e vamos partilhar. Estou pronto a
discutir este tipo de problemáticas aqui com o pessoal do
Porto as vezes que quiserem.