Por Filipe Sousa *
Vivemos num país rodeados por um clima numérico assustador.
Senão vejamos: a preocupação primordial na governação deste
país é um número, o défice. Ao sabor deste número navega a
barca (leia-se país) num mar turbulento que não pede licença
para se irritar. Há quem enfatize, dizendo que já passámos o
cabo das tormentas e que em breve chegaremos a bom porto
onde iremos ficar, encantados com as suas belezas naturais.
Mas, na verdade, viajamos sem rumo em busca de uma
miragem que nos surge ao de leve no horizonte, enquanto nos
escasseiam os meios de sobrevivência. Nesta busca
exasperada, tal qual um vendaval que leva tudo à sua frente
sem olhar para trás, fica esquecida para sempre a tripulação
da barca. O homem do leme procura de uma forma desesperada
levar o barco até um porto seguro para reparar os estragos
causados pelo temporal.
Muitos são aqueles que tombam para fora da barca!
Tornam-se dispensáveis à causa. Afinal de contas, que
interessa se contámos 99 ou 98 desde que a barca navegue,
tudo bem! As grandes embarcações já avistam das suas gáveas
a terra prometida, mas a nossa pequena barca vai ficando
para trás, perdida por entre as ventanias e os vendavais.
O homem do leme tem que decidir pelo rumo a tomar! Não
podemos navegar baseados apenas nos números que vêem nas
cartilhas! Temos que olhar ao bem estar da tripulação e
muitas das vezes seguir o nosso instinto aliado a um
conhecimento tácito. Na minha modesta opinião, temos duas
hipóteses: ou esperámos pelos bons ventos ou então somos
criativos e saímos da tempestade usando o nosso conhecimento
ancestral na arte de marear.
Se seguirmos o segundo caminho temos que apostar na
tripulação! Temos que incrementar o seu conhecimento na arte
de velejar! Pode parecer simples mas requer a aprendizagem
de muitas e diversas áreas (astronomia, física, filosofia,
etc..). Temos também que desenvolver instrumentos que nos
ajudem a ultrapassar a tempestade e a chegar a bom porto.
Tudo é importante e contribui para um mesmo objectivo,
descobrir novos mundos. E para quê? Para aumentar o nossa
base de conhecimento, para partilhar novas artes e
artefactos, enfim, para expandir os nossos horizontes. É com
muito desalento que nos últimos anos vejo o investimento em
investigação e ensino superior diminuir! Seguimos uma
estratégia, diz o homem do leme?! Mas qual?
Todos nós sabemos que os fundos chegaram ao fundo do mar,
restam-nos os incentivos europeus para continuar a nossa
actividade. No meio de discursos tão catastróficos ainda
existe lugar para a esperança. Afinal de contas, muitas das
vezes esquecemos que a barca que o homem do leme comanda é
de todos nós!
Todos temos a responsabilidade no rumo da embarcação.
Talvez se todos nós contribuíssemos para a manutenção da
barca ela estivesse em melhor estado. Mas como podemos
fazê-lo? Deixo a pergunta em aberto.
A nossa instituição enfrenta neste momento várias
dificuldades. Penso que devemos admirar e notabilizar o
esforço das pessoas que a compõem. São elas que, com tão
escassos recursos, conseguem fazer verdadeiras maravilhas;
elas constituem um bom exemplo de que os números não são
tudo, primeiro têm que vir as pessoas.
Os números têm que estar cá para servir as pessoas.
Apetece-me parafrasear um ilustre conhecido da nossa
televisão - “Meus senhores, até mais e façam o favor de
serem felizes”. Poderia ir um pouco mais longe e dizer: os
números não são tudo, contudo podem ajudar a prosseguir o
árduo caminho da felicidade.
* Colaborador da Unidade de
Telecomunicações e Multimédia (UTM)
O CONSULTOR DO LEITOR COMENTA
Caro Filipe, a ti a razão: as pessoas estão antes dos
números.
Partilho contigo a admiração pelo que temos
colectivamente conseguido - mas não está a ser fácil
atravessar o mar de dificuldades em que a nossa barca voga.
A ameaça de se afundar não desapareceu e, se for caso disso,
teremos seriamente que considerar alijar lastro, ou mesmo
carga, de outra forma iremos todos ao fundo.
Gostei da tua pergunta: como podemos fazê-lo (contribuir
para a manutenção da barca)? É aquela atitude de que
necessitamos - faz lembrar o célebre discurso de JFK, não
perguntes o que o INESC Porto pode fazer por ti, pergunta o
que podes fazer pelo INESC Porto.
Nós temos necessidade de duas coisas essenciais:
equilíbrio financeiro (os números...) e excelência
científica (os números, como verás).
Para o equilíbrio financeiro, precisamos de mais
contratos e mais projectos - e de os executarmos
produtivamente. Por isso, todo o contributo para podermos
alargar a nossa base de acção é necessário. Temos que ser
ambiciosos, e estimular mais investigadores a lutarem por
mercados de I&D. Não se pode confiar que serão sempre os
mesmos, e poucos, a conseguirem contratos para a
instituição. É, pois, urgente novas ideias, novos contactos
e o esforço de novas propostas, novas negociações.
Temos, pois, que sustentar no INESC Porto a cultura de
que a investigação também implica a busca de parceiros e
o estabelecimento de negócios - e envolver nisso mais
gente.
Para a excelência científica, necessitamos de mais e
melhores projectos e, consequentemente, de mais mão de obra
e mais publicações - o que também se mede em números.
Temos que continuar a aumentar a recepção a estudantes de
doutoramento (e mestrado) e, em paralelo, acelerar o tempo
de conclusão de teses no INESC Porto. Cinco, seis anos, é
demais - não achas? Para isso, todos os doutorados têm que
ser mobilizados e responsabilizados por convidar,
convencer, enfim, arranjar bolseiros no cenário
internacional.
Por outro lado, o nosso índice de publicações em revistas
continua muito fraco, principalmente se visto em cotejo com
a qualidade do nosso trabalho. É incompreensível - é
inaceitável. Tu cooperas numa Unidade que podia ter muito
melhores índices do que tem. Ah, é tão fácil mandar artigos
para conferências... são menos exigentes, salvo certas
excepções, e sempre dão umas viagenzitas...
Nota que somos julgados pela FCT e que o número de
publicações e de doutoramentos (os números, os números...)
são indicadores cruciais no estabelecimento de uma
classificação - que tem implicações financeiras no apoio que
a FCT concede.
Mas tu achas que se deve aceitar este estado de coisas:
uma Unidade tão importante como a UTM quase não publica????
A responsabilidade é de todos. Se escreveres um artigo, e
enviares para uma revista para publicação, mesmo que não
faças mais nada (o que espero não seja o caso) já estás a
fazer algo pelo INESC Porto.