Por Joana Azevedo *
Acordo eu de manhã e venho no autocarro já a pensar se me
vou sujar toda na lama que atravesso para chegar ao INESC
Porto. Devo dizer com bom grado que descobri aquele atalho
para cá chegar. Embora fosse bom que as condições de acesso
viessem a ser melhoradas. A primeira vez que atravessei esse
atalho estava cheia de medo, não conhecia a vizinhança, não
sabia o tipo de pessoas que lá viviam e tinha medo de
ofender os seus habitantes.
Foi exactamente o que aconteceu quando quis atravessar o
atalho entre Estudante e Trabalhadora passando pelo INESC
Porto. Com o tempo, em ambos os atalhos, perdi o medo e
conheci a vizinhança. E agora não troco os dois atalhos por
caminhos mais longos. Um faz-me chegar ao trabalho mais
depressa, o outro faz-me chegar ao conhecimento e realização
profissional.
Quando entro no INESC Porto, entro num mercado de
especiarias, em que cada momento e pessoa é um novo cheiro e
paladar por descobrir e usufruir. Foi no meu primeiro dia cá
na casa que conheci o piripiri directo na língua
quando me pediram para arranjar um computador para mim,
tratar de instalar o seu sistema operativo e configurá-lo.
Cheia de calor e nervos, ia à rua cem vezes para não
desesperar e manter a calma.
E foi aí que descobri a ajuda dos meus colegas quando, com
muito custo e vergonha, tive coragem para pedir socorro.
Ainda hoje fico com a boca a arder muitas vezes, mas já não
desespero e sei que aprendo mais quando passo por
dificuldades do que quando tudo é um “mar de rosas”. E o
quanto eu já aprendi aqui... é o tesouro que levo comigo
para onde quer que vá.
Logo de manhã, encontro o paladar alegre e simpático da
nossa recepcionista que tem sempre uma palavra alegre e
simpática a dizer. Subo meia dúzia de escadas e muitas vezes
já lá se encontram trabalhadores de mangas arregaçadas com
quem tenho prazer de trabalhar. Uns são mais reservados,
outros mais extrovertidos, mas eu gosto assim... de
paladares diferentes.
Adoro o trabalho que faço. O prazer de programar é como o
prazer de uma criança quando vê uma casa de legos a ganhar
forma juntando-lhe peça a peça. Mas, sinto falta no meu
trabalho de ter funções além daquelas que me obrigam a estar
no computador. Porque eu adoro fazer de tudo, participar em
tudo e lidar com muitas pessoas.
E pronto, o dia vai longo... aliás a semana vai longa e eu
fico toda contente, porque mais uma vez tenho razões para
mudar de piso e contactar com outras pessoas. Lá vou eu para
os recursos humanos assinar as presenças. Acabo sempre por
não levar a alegria que realmente sinto porque a semana está
no fim e o cansaço pesa.
E o fim de semana chega e eu apanho o autocarro para casa e
vou contente e triste ao mesmo tempo. Contente por ter
trabalhado com uma instituição competente que se
disponibiliza a instruir os que cá chegam, que tem todos os
serviços que um trabalhador necessita dentro do próprio
edifício de trabalho e com uma boa resposta. Contente por
ter lidado com óptimas pessoas que nunca se recusaram a
esclarecer uma dúvida ou ouvir uma opinião. Refiro-me a
todos, desde os funcionários, aos colegas de trabalho,
engenheiros e directores.
Mas vou triste, exactamente por existirem boas pessoas e me
faltarem razões, oportunidades ou funções para me cruzar com
elas. Falta o ponto de encontro, a sala de convívio, uma
actividade comum, não sei... e o trabalho sabia melhor do
que já sabe...
Foi um prazer ter sido convidada para este espaço e terem-me
dado voz. Obrigada a todos.
* Colaboradora da Unidade de
Engenharia de Sistemas de Produção (UESP)
O CONSULTOR DO LEITOR COMENTA
Cara Joana, há textos que nos deliciam e reconciliam coma
vida, e este teu é um deles. Descubro tanta sabedoria nele,
que já o li cinco vezes, e de cada uma li um texto novo.
De tanto nos envolvermos em trabalhos, de nos pesarem
responsabilidades, de nos aguilhoarem metas e objectivos, de
nos enredarem estratégias e açoitarem tácticas, acabamos por
nos irmos esquecendo da essência dos valores, da ambição
última das coisas: que é viver para espalhar felicidade.
A felicidade são as pessoas, e tu vens-nos recordar isso
mesmo agora, de forma clara e simultaneamente emocional. O
INESC Porto existe para muitos fins e por muitas (e boas)
razões, mas também existe fechada a malha de retroacção que
por vezes ignoramos: a felicidade das próprias pessoas que
fazem a casa.
Nem a instituição vive apenas para executar uma função
social, nem se esgota a olhar para o próprio umbigo. Mas
havemos de convir que seria bom podermos habitar nesse
equilíbrio harmonioso de ser felizes ao trabalhar para a
felicidade dos outros.
Um dos valores nossos e dos melhores, quantas vezes nos
esquecemos disso, é o ambiente de solidariedade do INESC
Porto. Há inúmeros testemunhos, ex-colaboradores que ainda
recordam esse ponto com saudade, visitantes estrangeiros que
o referem elogiosamente e, às vezes, por contraste com as
suas instituições de origem.
Essa solidariedade tem se ser reforçada para que possamos
conhecer melhor as pessoas e não apenas os colegas. Tens
toda a razão, e exprimiste-a de uma forma linda.