Por Henrique Miranda
*
Recordo com enorme saudade os tempos do INESC Poro de
Mompilher que frequentei ainda como aluno. O segundo andar,
em particular, era uma zona repleta de gente avidamente a
trabalhar em hardware, quase sempre de ferro de soldar em
punho. Quem não se lembra da oficina de electrónica e da sua
boa gente (Sr. Fernandes, Sr. Barbosa e companhia); e do
nostálgico centro de Cad e Microelectrónica onde se
respirava e transpirava hardware; e a malta de sistemas de
comunicações e redes de computadores sempre à volta de racks
crivadas com placas de circuito impresso densamente
populadas de componentes; o próprio grupo onde estava
inserido (Projecto e Teste de Sistemas Electrónicos) apenas
produzia hardware. Eu ficava "marabilhado" com tudo aquilo.
As mudanças foram entretanto acontecendo com novos
edifícios, novos grupos novas pessoas, mas o interesse pelo
hardware foi sendo gradualmente esvaziado. Razões para esta
"desardwarização" são algumas: as pessoas chave neste
domínio foram saindo sem renovação apropriada, o equipamento
necessário para produzir trabalho relevante assume custos
incompatíveis com os recursos da instituição, os novos
engenheiros produzidos pela nossa faculdade aparecem-nos
muito pouco estimulados para esta vertente do conhecimento
(grande parte culpa nossa - os docentes - que não lhes
incutimos estes gostos). Além disto, temos muito relutância
em participar em projectos que envolvam uma forte componente
de hardware (talvez porque não gostemos muito de sujar as
mãos - eu gosto e quanto mais melhor).
A descentralização do equipamento também em nada facilita
a vida de quem trabalha nestes meandros; é vulgar uma
romaria a vários edifícios para reunir o equipamento
necessário à montagem de uma nova experiência. Dá mesmo
trabalho! O novo edifício também não veio favorecer muito a
inversão desta quase imparável tendência: quem quer ir
trabalhar para as agrestes e muito pouco airosas caves que
foram destinadas à malta do hardware?
O desinteresse pelo hardware produzido atingiu o seu auge
aquando da mudança para a Asprela. O equipamento resultante
de um dos maiores projectos de sempre do INESC, e que aliás
foi o propulsor da própria instituição (o acrónimo SIFO faz
lembrar algo?), foi simplesmente deixado ao abandono tendo
como destino certo o /dev/null (para que os softwaristas
melhor compreendam). Claro que ao deparar-me com tal
situação de abandono imediatamente alberguei o dito
equipamento no meu laboratório o qual ostento numa das
minhas prateleiras (ver imagem acima). Infelizmente,
numerosos e engenhosos dispositivos não tiveram a mesma
sorte aos quais foi sendo aplicado um 'rm -rf'. Estes foram
o resultado de muitas horas passadas, neurónios derretidos,
dedos queimados, e que depois são simplesmente removidos do
nosso espaço, tempo e memória.
Não seria de cuidar melhor todo este legado? As
instituições que tratam decentemente dos entes produzidos ao
longo do tempo dispõem de um museu onde orgulhosamente
expõem os feitos do passado (não é necessário viajar muito
para encontrar bons exemplos). Claro que ter um museu requer
espaço, investimento e alguma dedicação. No entanto a
realização de um e-museu é hoje em dia uma alternativa tão
simples de concretizar, dando uma imagem de uma instituição
que nutre gosto por aquilo que desenvolve. Já ficava
satisfeito com a existência de um arquivo fotográfico, o
qual seria um passo muito significativo para a melhoria
desta imagem.
Para rematar, temo bem que se as poucas bolsas de
resistência que heroicamente vão ainda sobrevivendo às
tendências actuais não forem suficientemente fortes, poderão
extinguir-se em breve, tornando toda a actividade do INESC
Porto em hardware numa leve lembrança do passado.
* Colaborador da Unidade de
Telecomunicações e Multimédia (UTM)
O CONSULTOR DO LEITOR COMENTA
Caro Henrique,
Relevo dois aspectos do teu texto: um alerta e um
desabafo.
O alerta diz respeito ao menosprezo a que está votado o
hardware. Concordo 100% contigo. Até no diagnóstico -
excepto que lhe falta o complemento, que é a sugestão de
como inverter a situação.
Estrategicamente, dói-me que a nossa engenharia seja só
de papel e lápis (ou os equivalentes modernos) Precisamos de
um novo impulso. Acredito que ele se constrói com as pessoas
certas e com o plano ajustado. Plano, sim: é preciso
identificar o que se deseja fazer, conseguir o financiamento
das infra-estruturas adequadas e dos recursos humanos
necessários. E é necessário construir as alianças
necessárias com as ciências dos materiais (ah, o que eu fui
dizer, “alianças”, em Portugal...).
Mas nós precisamos de uma tecnologia dos objectos e não
apenas das coisas impalpáveis - coisas que se possam
fabricar. Se tu achas que o nosso desenvolvimento está coxo,
eu digo mais: está perneta.
Quanto ao teu desabafo, eu traduzo-o: não temos memória.
Parece que temos vergonha da nossa história, porque
escondemos a história. Não homenageamos quem nos antecedeu.
Não preservamos os vestígios e os sinais.
Serão, no próximo ano, 20 anos de INESC no Porto. Pode
até ser que haja festa, mas... Alguém das novas gerações
sabe o que foi, como foi, como nasceu o INESC no Porto, quem
foram os protagonistas, quais os êxitos, quais as
dificuldades, quais os heróis?
Pecha portuguesa, não gostamos de heróis, porque nos
fazem parecer mais pequeninos, nota-se que somos
medíocres... é melhor puxá-los para dentro do caldeirão
(vide BIPtoon do mês passado)...