INESC Porto
Boletim INESC Porto
 
B o l e t i m N ú m e r o : 3 9 ( i n t e r n o ) / 2 5 ( p ú b l i c o )
 
 


O p i n i ã o

A Vós a Razão
Leitor evoca: “Recordo com enorme saudade os tempos do INESC Porto de Mompilher que frequentei ainda como aluno. O segundo andar, em particular, era uma zona repleta de gente avidamente a trabalhar em hardware, quase sempre de ferro de soldar em punho...»

Galeria do Insólito
O que é que têm em comum os havitantes do Norte de Portugal com os da Coreia do Norte? Bamos lá ber se descobre...»

Asneira Livre
Leitor questiona: “Qual a percentagem de projectos que acabam por ter uma aplicação prática? Será que não há mercado, ou o mercado simplesmente não conhece o nosso trabalho?” »

Biptoon
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Especial
O II Debate BIPolémico com o Prof. Rui Mota Cardoso foi considerado um sucesso por todos os participantes. Conheça as opiniões dos presentes e descubra porque são salgadas as nossas lágrimas, porque assaltamos o frigorífico quando nos sentimos sós, entre outras curiosidades.»

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Hardwaristas: uma espécie em extinção


Por Henrique Miranda * 

Recordo com enorme saudade os tempos do INESC Poro de Mompilher que frequentei ainda como aluno. O segundo andar, em particular, era uma zona repleta de gente avidamente a trabalhar em hardware, quase sempre de ferro de soldar em punho. Quem não se lembra da oficina de electrónica e da sua boa gente (Sr. Fernandes, Sr. Barbosa e companhia); e do nostálgico centro de Cad e Microelectrónica onde se respirava e transpirava hardware; e a malta de sistemas de comunicações e redes de computadores sempre à volta de racks crivadas com placas de circuito impresso densamente populadas de componentes; o próprio grupo onde estava inserido (Projecto e Teste de Sistemas Electrónicos) apenas produzia hardware. Eu ficava "marabilhado" com tudo aquilo.

As mudanças foram entretanto acontecendo com novos edifícios, novos grupos novas pessoas, mas o interesse pelo hardware foi sendo gradualmente esvaziado. Razões para esta "desardwarização" são algumas: as pessoas chave neste domínio foram saindo sem renovação apropriada, o equipamento necessário para produzir trabalho relevante assume custos incompatíveis com os recursos da instituição, os novos engenheiros produzidos pela nossa faculdade aparecem-nos muito pouco estimulados para esta vertente do conhecimento (grande parte culpa nossa - os docentes - que não lhes incutimos estes gostos). Além disto, temos muito relutância em participar em projectos que envolvam uma forte componente de hardware (talvez porque não gostemos muito de sujar as mãos - eu gosto e quanto mais melhor).

A descentralização do equipamento também em nada facilita a vida de quem trabalha nestes meandros; é vulgar uma romaria a vários edifícios para reunir o equipamento necessário à montagem de uma nova experiência. Dá mesmo trabalho! O novo edifício também não veio favorecer muito a inversão desta quase imparável tendência: quem quer ir trabalhar para as agrestes e muito pouco airosas caves que foram destinadas à malta do hardware?

O desinteresse pelo hardware produzido atingiu o seu auge aquando da mudança para a Asprela. O equipamento resultante de um dos maiores projectos de sempre do INESC, e que aliás foi o propulsor da própria instituição (o acrónimo SIFO faz lembrar algo?), foi simplesmente deixado ao abandono tendo como destino certo o /dev/null (para que os softwaristas melhor compreendam). Claro que ao deparar-me com tal situação de abandono imediatamente alberguei o dito equipamento no meu laboratório o qual ostento numa das minhas prateleiras (ver imagem acima). Infelizmente, numerosos e engenhosos dispositivos não tiveram a mesma sorte aos quais foi sendo aplicado um 'rm -rf'. Estes foram o resultado de muitas horas passadas, neurónios derretidos, dedos queimados, e que depois são simplesmente removidos do nosso espaço, tempo e memória.

Não seria de cuidar melhor todo este legado? As instituições que tratam decentemente dos entes produzidos ao longo do tempo dispõem de um museu onde orgulhosamente expõem os feitos do passado (não é necessário viajar muito para encontrar bons exemplos). Claro que ter um museu requer espaço, investimento e alguma dedicação. No entanto a realização de um e-museu é hoje em dia uma alternativa tão simples de concretizar, dando uma imagem de uma instituição que nutre gosto por aquilo que desenvolve. Já ficava satisfeito com a existência de um arquivo fotográfico, o qual seria um passo muito significativo para a melhoria desta imagem.

Para rematar, temo bem que se as poucas bolsas de resistência que heroicamente vão ainda sobrevivendo às tendências actuais não forem suficientemente fortes, poderão extinguir-se em breve, tornando toda a actividade do INESC Porto em hardware numa leve lembrança do passado.

* Colaborador da Unidade de Telecomunicações e Multimédia (UTM)

O CONSULTOR DO LEITOR COMENTA

Caro Henrique,

Relevo dois aspectos do teu texto: um alerta e um desabafo.

O alerta diz respeito ao menosprezo a que está votado o hardware. Concordo 100% contigo. Até no diagnóstico - excepto que lhe falta o complemento, que é a sugestão de como inverter a situação.

Estrategicamente, dói-me que a nossa engenharia seja só de papel e lápis (ou os equivalentes modernos) Precisamos de um novo impulso. Acredito que ele se constrói com as pessoas certas e com o plano ajustado. Plano, sim: é preciso identificar o que se deseja fazer, conseguir o financiamento das infra-estruturas adequadas e dos recursos humanos necessários. E é necessário construir as alianças necessárias com as ciências dos materiais (ah, o que eu fui dizer, “alianças”, em Portugal...).

Mas nós precisamos de uma tecnologia dos objectos e não apenas das coisas impalpáveis - coisas que se possam fabricar. Se tu achas que o nosso desenvolvimento está coxo, eu digo mais: está perneta.

Quanto ao teu desabafo, eu traduzo-o: não temos memória. Parece que temos vergonha da nossa história, porque escondemos a história. Não homenageamos quem nos antecedeu. Não preservamos os vestígios e os sinais.

Serão, no próximo ano, 20 anos de INESC no Porto. Pode até ser que haja festa, mas... Alguém das novas gerações sabe o que foi, como foi, como nasceu o INESC no Porto, quem foram os protagonistas, quais os êxitos, quais as dificuldades, quais os heróis?

Pecha portuguesa, não gostamos de heróis, porque nos fazem parecer mais pequeninos, nota-se que somos medíocres... é melhor puxá-los para dentro do caldeirão (vide BIPtoon do mês passado)...

 

 

A Vós a Razão

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