B o l e t i m Número 56 de Novembro 2005 - Ano VI
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O p i n i ã o  

A Vós a Razão
Colaborador reflecte: “Num cenário em que não há restrições ao acesso à informação de qualquer domínio científico, não pode a investigação científica restringir-se aos objectos de estudo que despertam o nosso gosto pessoal...

Galeria do Insólito
É irresistível reproduzir o e-mail que chegou este mês aos Recursos Humanos: “Quanto é preciso de notas para um jovem poder entrar no INESC Porto (o meu filho está a fazer melhoria de nota em Física).”

Asneira Livre
Colaborador recorda: “Como o BIP faz cinco anos, que tal sermos um bocado nostálgicos?! Ficam aqui alguns favoritos meus do “Bamos indo porreiros”...

Biptoon
Bamos Indo Porreiros

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A  V Ó S  A  R A Z Ã O

Goal-driven research:
para uma nova mentalidade científica

Por Diogo Ferreira*

Há 200 anos atrás um encadernador de livros em Londres empregou um aprendiz de 14 anos que não só encadernava mas também lia muitos dos livros que passavam pela loja. Um dia, quando passava pelas suas mãos a terceira edição da Enciclopédia Britânica, o aprendiz ficou particularmente fascinado por um artigo sobre electricidade que lá encontrou. O nome dele era Michael Faraday e mais tarde viria a ficar conhecido pelas suas experiências e contribuições decisivas nas áreas de electromagnetismo e electroquímica.

Este episódio da história da ciência - que será semelhante a vários outros - é ilustrativo da forma como o avanço científico depende não só do engenho dos investigadores, mas também da informação que lhes passa pelas mãos. No passado, as pessoas tornavam-se especialistas numa área não só pelas suas capacidades, mas também pelos recursos e informação a que tinham acesso. Esta relação continua bem patente nos nossos dias e não se restringe ao domínio científico - basta pensar em todo um conjunto de actividades económicas que se baseiam na diferenciação do acesso à informação.

Hoje, com o acesso a uma rede global onde é publicado material sobre todos os domínios científicos, estamos à beira de uma mudança radical. Os serviços de informação disponíveis actualmente (do tipo sciencedirect.com) colocam à distância de um clique informação de ponta sobre qualquer domínio científico, das ciências exactas às ciências humanas. O esforço necessário para obter informação numa determinada área em breve será o mesmo independentemente da área científica em causa. Será tão fácil para um investigador consultar um artigo sobre informática como sobre biologia e, não fosse o surgimento da bioinformática, a segunda continuaria a ser uma área completamente distinta da primeira.

Num cenário em que não há restrições ao acesso à informação de qualquer domínio científico, não pode a investigação científica restringir-se aos objectos de estudo que despertam o nosso gosto pessoal. Os avanços permanentes e o grau de especialização crescente em todas as áreas científicas criam a falsa ideia de que “tudo já está inventado” só enquanto permanecermos confinados a um assunto ou tema específico. Se considerarmos que cada contribuição introduz um novo conceito na área específica a que diz respeito e que é susceptível de abrir um leque de implicações e/ou aplicações noutras áreas, é fácil ver que o avanço científico, longe de vir a esgotar-se, está antes em expansão desenfreada.

É neste cenário que temos de adaptar a nossa mentalidade científica. Enquanto os meios académicos tentam gerir o conhecimento em disciplinas aparentemente estanques, a investigação tem que prosseguir criando sinergias e atravessando fronteiras entre disciplinas diferentes. O objecto de estudo não passa mais, como no tempo de Faraday, pela exploração de um fenómeno propulsionada exclusivamente pela curiosidade científica. Hoje é difícil que um investigador se possa dar ao luxo de dedicar toda a sua atenção a um assunto bem arrumado dentro de uma área científica. Se fizer sentido fazer isso, há uma grande probabilidade de alguém já o ter feito.

Em vez disso, o investigador necessita é de abertura e disposição para receber e acomodar material oriundo de outras áreas, material que está à distância de um clique mas que suscita hesitação ou preconceito científico sempre que nos apercebemos que “aquilo não é a minha área”. Essa abertura é necessária porque a divisão entre disciplinas é ilusória e porque qualquer cientista se deve munir das ferramentas apropriadas para a sua investigação. Essas ferramentas encontram-se cada vez mais fora da área de especialidade do investigador, ou na intersecção da sua área com outras.

É esta capacidade de procurar, absorver e utilizar técnicas de outras áreas que chamo de “goal-driven research”. Os investigadores devem guiar o seu trabalho segundo os seus objectivos de investigação, munindo-se das técnicas mais apropriadas para esse efeito, por mais remotas que sejam as áreas onde as têm de ir buscar. No passado, o acesso limitado à informação tornava essa tarefa praticamente impossível. Hoje, mais do que uma possibilidade, é por onde passa o futuro da investigação.
 

O CONSULTOR DO LEITOR COMENTA
Parabéns Diogo.

É preciso entre nós pessoas que façam reflexões para além da rotina diária.
Todavia, não estou convencido que o Goal Driven Research (investigação por objectivos) seja aquilo que tu dizes... É um tema muito mais profundo e polémico. Por isso, espero que a leitura do teu texto desperte muitos debates entre os inesquianos.

 

* Colaborador da Unidade de Engenharia de Sistemas de Produção (UESP)



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