Por Diogo Ferreira*
Há 200 anos atrás um encadernador de livros em Londres
empregou um aprendiz de 14 anos que não só encadernava mas
também lia muitos dos livros que passavam pela loja. Um dia,
quando passava pelas suas mãos a terceira edição da
Enciclopédia Britânica, o aprendiz ficou particularmente
fascinado por um artigo sobre electricidade que lá
encontrou. O nome dele era Michael Faraday e mais tarde
viria a ficar conhecido pelas suas experiências e
contribuições decisivas nas áreas de electromagnetismo e
electroquímica.
Este episódio da história da ciência - que será semelhante a
vários outros - é ilustrativo da forma como o avanço
científico depende não só do engenho dos investigadores, mas
também da informação que lhes passa pelas mãos. No passado,
as pessoas tornavam-se especialistas numa área não só pelas
suas capacidades, mas também pelos recursos e informação a
que tinham acesso. Esta relação continua bem patente nos
nossos dias e não se restringe ao domínio científico - basta
pensar em todo um conjunto de actividades económicas que se
baseiam na diferenciação do acesso à informação.
Hoje, com o acesso a uma rede global onde é publicado
material sobre todos os domínios científicos, estamos à
beira de uma mudança radical. Os serviços de informação
disponíveis actualmente (do tipo sciencedirect.com) colocam
à distância de um clique informação de ponta sobre qualquer
domínio científico, das ciências exactas às ciências
humanas. O esforço necessário para obter informação numa
determinada área em breve será o mesmo independentemente da
área científica em causa. Será tão fácil para um
investigador consultar um artigo sobre informática como
sobre biologia e, não fosse o surgimento da bioinformática,
a segunda continuaria a ser uma área completamente distinta
da primeira.
Num cenário em que não há restrições ao acesso à informação
de qualquer domínio científico, não pode a investigação
científica restringir-se aos objectos de estudo que
despertam o nosso gosto pessoal. Os avanços permanentes e o
grau de especialização crescente em todas as áreas
científicas criam a falsa ideia de que “tudo já está
inventado” só enquanto permanecermos confinados a um assunto
ou tema específico. Se considerarmos que cada contribuição
introduz um novo conceito na área específica a que diz
respeito e que é susceptível de abrir um leque de
implicações e/ou aplicações noutras áreas, é fácil ver que o
avanço científico, longe de vir a esgotar-se, está antes em
expansão desenfreada.
É neste cenário que temos de adaptar a nossa mentalidade
científica. Enquanto os meios académicos tentam gerir o
conhecimento em disciplinas aparentemente estanques, a
investigação tem que prosseguir criando sinergias e
atravessando fronteiras entre disciplinas diferentes. O
objecto de estudo não passa mais, como no tempo de Faraday,
pela exploração de um fenómeno propulsionada exclusivamente
pela curiosidade científica. Hoje é difícil que um
investigador se possa dar ao luxo de dedicar toda a sua
atenção a um assunto bem arrumado dentro de uma área
científica. Se fizer sentido fazer isso, há uma grande
probabilidade de alguém já o ter feito.
Em vez disso, o investigador necessita é de abertura e
disposição para receber e acomodar material oriundo de
outras áreas, material que está à distância de um clique mas
que suscita hesitação ou preconceito científico sempre que
nos apercebemos que “aquilo não é a minha área”. Essa
abertura é necessária porque a divisão entre disciplinas é
ilusória e porque qualquer cientista se deve munir das
ferramentas apropriadas para a sua investigação. Essas
ferramentas encontram-se cada vez mais fora da área de
especialidade do investigador, ou na intersecção da sua área
com outras.
É esta capacidade de procurar, absorver e utilizar técnicas
de outras áreas que chamo de “goal-driven research”. Os
investigadores devem guiar o seu trabalho segundo os seus
objectivos de investigação, munindo-se das técnicas mais
apropriadas para esse efeito, por mais remotas que sejam as
áreas onde as têm de ir buscar. No passado, o acesso
limitado à informação tornava essa tarefa praticamente
impossível. Hoje, mais do que uma possibilidade, é por onde
passa o futuro da investigação.
O CONSULTOR DO LEITOR COMENTA
Parabéns Diogo.
É preciso entre nós pessoas que façam reflexões para
além da rotina diária.
Todavia, não estou convencido que o Goal Driven Research
(investigação por objectivos) seja aquilo que tu dizes... É
um tema muito mais profundo e polémico. Por isso, espero que
a leitura do teu texto desperte muitos debates entre os
inesquianos.
* Colaborador da Unidade de Engenharia
de Sistemas de Produção (UESP)
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