E D I T O R I A L
A ilusão e o medo de ver Um conhecido nosso lembrou-se de desmistificar um velho ditado: “em terra de cegos, quem tem um olho é rei”.
Ele costuma brincar e diz que o ditado deveria, na verdade, enunciar que “em terra de cegos, não é preciso ter um olho para se ser rei – basta dizer que se tem, que os outros não sabem, são cegos”.
Não é novidade questionar o dito, convenhamos. Se não erro, H. G. Wells escreveu um conto em que um desgraçado e viajado montanheiro se despenhou algures, Equador profundo, entre o Cotopaxi e o Chimborazo e as suas neves perenes, numa chaminé entre vulcões a que teria sido dado o nome de o Vale dos Cegos.
Salvo pelos invisuais, únicos habitantes do abismo cerrado, a sua miséria só pode ter medida na ilusão caída de que poderia ser rei quando afinal esse povo se decidiu a cegá-lo também e curá-lo dessa doença de ver. A cegueira de Saramago não andou excessivamente longe deste mote.
Duas abordagens diferentes e, singularmente, não contraditórias. Uma fala-nos da importância da imagem, outra fala-nos do temor de quem tem mais capacidades do que nós. Uma fala-nos da importância da ilusão de ver e outra do medo de ver. Ilusão e medo andam, quantas vezes, companheiras.
Mas, na verdade, o que precisámos é que a ilusão que damos de nós tenha substância e de que aqueles que vêem mais que nós não tenham receio de o dizer e no-lo comunicar.
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