Por Maria da Graça Barbosa*
Deparei-me há dias, por acaso, com a tese apresentada
pelo DIL no Workshop realizado em 1999, ainda na velhinha
FEUP na Rua dos Bragas, e ocorreu-me reflectir sobre o que
teria mudado desde essa altura.
Afirmámos então que a cultura do INESC Porto era ainda,
fundamentalmente, a cultura do progenitor INESC, cujas
principais características seriam a influência dominante
da cultura académica, a informalidade, o eterno conflito
entre liberdade e controlo, a ambivalência do
posicionamento institucional como quase-universidade ou
quase-empresa. Como característica própria, apontámos uma
inevitável tendência para o "bairrismo", que
constituiria, eventualmente, um factor de motivação
acrescida.
Na altura, considerámos urgente a afirmação de uma
identidade própria do INESC Porto que não se baseasse
unicamente nessa motivação bairrista, mas sim na
capacidade para fazer melhor e diferente, sob pena de não
ser de não ser compreendida a razão da reivindicação de
autonomia.
Vejamos pois, passados quase quatro anos, em que medida
nos afirmámos e soubemos - ou não - criar uma cultura
própria, percepcionada como tal no exterior.
I - A "herança" da cultura INESC
Influência dominante da cultura académica
Sendo o INESC Porto também dirigido principalmente por
académicos, a sua influência continua a ser dominante no
que respeita ao seu modo de estar, aos seus interesses e
valores, mas também às suas contradições e preconceitos,
apesar de contrabalançada pela existência de um Director
Executivo não académico (Engš Caldeira), bem como pelo
peso e importância de um grande número de contratados,
quer ao nível dos serviços quer ao nível da gestão das
Unidades.
Neste aspecto, apraz-me registar uma evolução muito
positiva no que respeita à assunção de efectivas
responsabilidades de gestão por académicos, embora não
seja uma tendência generalizada.
Informalidade
Afirmámos que o culto de uma certa forma de estar e de
relacionamento informal, se por um lado fomentava um
ambiente de trabalho mais descontraído e flexível, poderia
conduzir a uma perda de autoridade e de eficácia.
Esta característica tem o seu corolário máximo na
consagração da importância de um órgão não
estatutário que é a Reunião das Unidades, ou Conselho das
Unidades, onde se discutem os assuntos mais importantes e se
preparam as grandes decisões estratégicas do INESC Porto.
Ora, eu sou a primeira a realçar as virtudes e o papel
crucial deste órgão, que tem contribuído decisivamente
para o aumento da eficácia da instituição, provando que
informalidade e eficácia não são incompatíveis entre si.
Por outro lado, nunca é demais salientar que a
informalidade, mais do que um vício, é considerada
principalmente como uma virtude do INESC Porto, porventura
aquela que as pessoas mais estão interessadas em conservar.
Liberdade Versus Controlo
Afirmámos então que a liberdade dada às Unidades para
definirem a sua própria orientação estratégica e
conduzirem a sua actividade, bem como o considerável
espaço de liberdade individual de que cada colaborador
beneficiava, constituía uma característica típica do
INESC, transposta para o INESC Porto.
Notámos, por outro lado que a tentativa de controlar o
cumprimento das regras instituídas e evitar a indisciplina
e os desequilíbrios, em grande parte motivada pela tomada
de consciência das dificuldades financeiras, havia
conduzido a alguma perda de autonomia sobretudo notada ao
nível dos responsáveis de obras e projectos, havendo uma
excessiva concentração de poderes nos responsáveis das
Unidades e na Direcção.
Esta falta de autonomia e consequente desresponsabilização
dos investigadores menos seniores ou segundas linhas foi
então apontada como inibidora do aparecimento de novos
líderes e de um desejável refrescamento da instituição.
A este respeito, estou convicta (mas admito estar
enganada!) de que a criação das funções de responsáveis
de área e de projecto aquando da reestruturação
organizativa levada a cabo na sequência do trabalho da MBA,
contrariamente àquilo que se pretendia, não se traduziu
numa emergência de novos líderes, preparados para assumir
responsabilidades e motivados para participar na gestão da
instituição.
Ambivalência do posicionamento institucional
Em 1999, apontámos o dedo à postura um pouco camaleónica
que fazia com que INESC Porto tanto se assumisse como
instituição quase-universitária, como uma quase-empresa
orientada para o mercado, consoante os objectivos
prosseguidos em cada momento ou situação, correndo o risco
de entrar em contradição fundamental.
Hoje, penso que, não obstante aquele risco, a capacidade
de nos adaptarmos às circunstâncias para conseguirmos
sobreviver deve ser encarada como uma das nossas principais
virtudes, devendo ser incentivada e não criticada.
Fundamental é que haja um rumo e um conjunto de princípios
de que não se abdique, que sejam conhecidos e partilhados
por todos.
O INESC Porto como "cópia fiel" do INESC
Observámos em 1999 que o INESC Porto era tão igual ao
INESC que com ele se confundia permanentemente. E que,
embora a continuidade e a sucessão natural tivessem
constituído a opção assumida durante um período de
transição, era urgente a afirmação de uma identidade
própria, quer externa quer internamente.
Quanto a este ponto, creio que nos devemos orgulhar de
nos termos conseguido efectivamente afirmar, tanto no seio
do "Grupo INESC", onde somos frequentemente
apontados como o exemplo a seguir, quer externamente,
mediante manifestações de reconhecimento positivo da
diferença. Creio que alcançámos um equilíbrio feliz
entre o reconhecimento das origens e uma independência
sustentada e responsável, como deve ser toda a verdadeira
independência.
II - O "Bairrismo"
Criticámos antes a tendência irresistível para assumir
uma posição de confronto com o INESC, que simbolizava a
capital, o centralismo e, por outro lado, para
sobrevalorizar as virtudes regionais.
Neste aspecto, creio que aprendemos à nossa custa: a
partir do momento em que nos tornamos independentes,
deixamos de ter como bodes expiatórios para as nossa
ineficiências "aqueles gajos de Lisboa" (quando
muito, podemo-nos queixar agora de outros gajos de Lisboa
que não nos pagam o que nos devem!). Também concluímos
que o Norte é demasiado pequeno para nós e tratamos de nos
abrir a outras paragens, o que é muito salutar.
CONCLUSÃO
Feita a revisão das opiniões emitidas há quatro anos,
é com satisfação que verifico que a evolução do INESC
Porto tem sido aquela que preconizámos - a capacidade de
fazermos melhor e diferente - e, sem falsa modéstia,
reivindico para o DIL uma parte da responsabilidade nessa
evolução positiva!
Contudo, não posso deixar de manifestar algumas
preocupações, já acima afloradas, como sejam:
- a demasiada dependência da instituição em relação aos
actuais dirigentes - pode dizer-se, sem exagerar muito, que
a "cara" do INESC Porto é a cara do seu
Presidente. E quando ele se fartar disto?;
- o envelhecimento e cristalização das actuais chefias (eu
incluída!) e a não emergência de novos líderes, capazes
de assegurar a renovação - seria interessante reflectir
sobre as razões desta realidade;
- a fraca participação da maior parte dos colaboradores na
discussão dos problemas institucionais - por desinteresse
ou falta de oportunidade?;
- a excessiva dependência de programas de financiamento, de
manutenção incerta e cujas vicissitudes dificilmente
controlamos;
- a preponderância dada aos problemas financeiros em
detrimento de outras questões essenciais, como sejam a
gestão de recursos humanos e a gestão do capital
intelectual.
Gostaria de ter mas não tenho respostas para tais
preocupações, pelo que me limito a formular o desejo de
que sejamos capazes de encarar os problemas, reflectir sobre
eles e procurar soluções.
A propósito, porque não realizar um novo Workshop, em
moldes idênticos ao anterior?
* Responsável do
Departamento de Informação e Logística (DIL)
O
CONSULTOR DO LEITOR COMENTA
Cara Graça Barbosa, não resisto à estafada piada de
que deste um ar da tua graça. Mas, na verdade, palavras
para quê? O teu documento é um exercício muito didáctico
daquela postura que devemos em permanência cultivar:
capacidade de auto-observação, auto-crítica, correcção
da trajectória.
Tanta coisa haveria para dizer a propósito do lúcido
documento com que nos brindaste, que esta página não me
chega. Mas o teu desafio fica: organizar um novo workshop de
reflexão sobre o INESC Porto.
E enalteço-te essa atitude: aprender com o passado,
observar, comparar, inferir. A génese do método
científico. O rigor e a honestidade na análise, a coragem
na experimentação, a seriedade na explicação e na
teorização.
Amigos, não é de nos enchermos de um prazer imenso, de
uma infinita felicidade, ao verificarmos a força da cultura
INESC Porto? Pois se até uma licenciada em direito é capaz
de a interiorizar e de aplicar o método científico à vida
da casa...