Por
Graça Barbosa *
A propósito da discussão da proposta de Regulamento do
Horário de Trabalho do INESC Porto, e enquanto me espantava
com algumas críticas à fixação de períodos de presença
obrigatória, veio subitamente à minha memória uma passagem
de um livro que lera em tempos, à qual tinha achado muita
graça e que, ressalvadas as óbvias diferenças, me parece
retratar bastante bem a atitude do português face ao
trabalho. Não resisto a transcrever essa passagem, apelando
ao vosso sentido de humor e capacidade de auto-crítica, que
é sempre salutar!
Contextualizando, o livro intitula-se “Uma casa em
Portugal”, e descreve a “saga” de um americano para comprar,
legalizar e recuperar uma pitoresca casinha em ruínas,
situada numa aldeola do concelho de Sintra. Para as obras de
recuperação da casa, o americano recorreu a mão-de-obra
local! António era o principal “artista” contratado para
esse fim. Então, cá vai o desabafo do americano:
“António chegava por volta das oito - a não ser, claro,
que não chegasse. Tivéramos uma longa discussão, semanas
antes, a respeito do seu comparecimento ao trabalho. Tentara
impor-lhe os meus pontos de vista, de orientação muito
americana, acerca de confiabilidade e pontualidade. Ele
parecera escutar-me com seriedade e atenção e repetira a
intenção de vir trabalhar todos os dias. E, quando não
vinha, escolhia entre o seu vasto repertório de
justificações e apresentava a que lhe parecia mais adequada
às circunstâncias. Havia sementeiras de batatas, podas de
videiras, sulfatagens de vinhas, apanhas de cogumelos e uma
longa série de falecimentos de familiares distantes, cujo
exacto grau de parentesco António não sabia precisar. (...)
À medida que o padrão de ausências de António se tornou
mais metódico, fui aprendendo a compreender e definir a
motivação intrínseca do trabalhador português. Para começar,
o factor mais importante era a vida. Não se devia perder
nada, fosse um nascimento, um casamento, uma morte ou
qualquer acontecimento importante - este “qualquer outro”
abrangia uma vasta nebulosa de circunstâncias, incluindo os
primeiros passos de um bebé, jogos de futebol e até
episódios de algumas novelas. Tudo tinha precedência sobre a
vida “profissional”, relegando o trabalho para a categoria
das coisas que uma pessoa “podia” fazer se nesse dia não
surgisse nenhuma outra opção. Como o António observava com
frequência, o trabalho podia sempre esperar. Não havia
absolutamente nada no mundo que não pudesse ser feito amanhã
ou para a semana.(...)
De início revoltei-me com essa filosofia. Mas pouco a
pouco fui vendo a minha ética de trabalho como algo
engendrado em mim pela minha educação, algo ensinado e
reforçado ao longo dos anos. E, ao examinar estas convicções
firmemente enraizadas, cheguei à conclusão de que, no fim de
contas, não eram mais válidas do que aquelas que censurava a
António.” (Richard Hewitt, Uma casa em Portugal, 1ª edição,
Gradiva, Julho de 1997, pp.95 e 96).
E mais palavras para quê? É um “artista” português!.
* Responsável
do DIL (Departamento de Informação e Logística)