B o l e t i m Número 47 de Janeiro 2005 - Ano IV
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E D I T O R I A L

  SOMOS TODOS FILHOS DE LOURENÇO FERNANDES

 

Faleceu. Vinte e cinco anos depois da genial rotura com estado das coisas, vinte e cinco anos depois a assombrosa visão que se consubstanciaria no INESC, desaparece do efémero palco planetário esse homem que nunca quis protagonismo mediático mas que, contraditoriamente, protagonizou, na dupla com José Tribolet, o alicerce desse arrojado projecto de transformação da ciência e engenharia eléctrotécnica e informática portuguesa, dessa ideia subversiva que depois corporizámos.

No choque da notícia, tudo o mais se relativiza, acode à memória Fernando Pessoa: "A ciência, a ciência, a ciência... / Ah, como tudo é nulo e vão! (...)". Não podem mais do que isto, os que o conheceram: emocionar-se, e reconhecer-se pequenos.

Lourenço Fernandes era, profundamente, um patriota e um solidário. Era também um profundo estratega, um exímio estruturador, compreendia com limpidez meridiana as relações de forças, sociais, empresariais ou políticas, e desenhava a acção fluindo nos interstícios e fracturas delas. Nunca pela negativa, nunca cinzento e acomodado - ele era um revolucionário inteligente. Compreendia o valor do silêncio e da persistência, mas a sua estratégia não era a da sobrevivência, era a do triunfo da ideia que ele tinha de Portugal.

Entusiasmava-se por grandes desígnios. Vencer o Adamastor - eis um exemplo de como Lourenço Fernandes se projectava no futuro, profundamente ancorado em raízes de portugalidade. Vencer o Adamastor era, para ele, vencer o atraso de Portugal. Tal como o Adamastor aos marinheiros quinhentistas, a União Europeia assustou, no momento da adesão: era um gigante e nós os anões, era um monstro e nós desarmados, era um obstáculo invencível e nós havíamos de o vencer. Muitos termos poderiam servir o tal desígnio de triunfar na batalha da integração europeia - mas a escolha de Lourenço Fernandes ou, pelo menos, porque não podemos garantir a paternidade da frase, a adesão de coração ao seu significado simbólico não nos equivoca na compreensão da personalidade do homem.

(Para os mais novos: existiu mesmo um espírito Vencer o Adamastor no INESC, e um conjunto de acções, pensamentos e projectos levaram essa etiqueta nos anos 80)

Quando se desligou funcionalmente do INESC, Lourenço Fernandes foi ainda preocupar-se com o país. A solidariedade social passou a ocupá-lo de forma intensa. Parece, também, simbólica, esta escolha: todas as suas capacidades, e eram imensas, colocadas ao serviço de objectivos que poderíamos traçar directamente à felicidade das pessoas, em especial das mais desfavorecidas. Mas esta opção não foi tardia, quem o conheceu sabe que Lourenço Fernandes sempre se revoltou contra a injustiça e que, jovem ainda, já se havia rebelado contra um sistema de governo do seu país que, precisamente, negava o direito à felicidade.

Considerando este homem e a sua obra, regressa Fernando Pessoa à memória, na ode:

      Para ser grande, sê inteiro: nada
      Teu exagera ou exclui.
      Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
      No mínimo que fazes.
      Assim em cada lago a lua toda
      Brilha, porque alta vive.

                                       Ricardo Reis, 14-2-1933

João Carlos Rogenmoser Lourenço Fernandes pôs quanto era em todo e cada gesto. Foi uma luz altíssima e nós, no universo INESC, no INESC Porto, somos um desses muitos lagos em que a sua lua ainda vive.



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