Faleceu. Vinte e cinco anos depois da genial rotura com
estado das coisas, vinte e cinco anos depois a assombrosa
visão que se consubstanciaria no INESC, desaparece do
efémero palco planetário esse homem que nunca quis
protagonismo mediático mas que, contraditoriamente,
protagonizou, na dupla com José Tribolet, o alicerce desse
arrojado projecto de transformação da ciência e engenharia
eléctrotécnica e informática portuguesa, dessa ideia
subversiva que depois corporizámos.
No choque da notícia, tudo o mais se relativiza, acode à
memória Fernando Pessoa: "A ciência, a ciência, a ciência...
/ Ah, como tudo é nulo e vão! (...)". Não podem mais do que
isto, os que o conheceram: emocionar-se, e reconhecer-se
pequenos.
Lourenço Fernandes era, profundamente, um patriota e um
solidário. Era também um profundo estratega, um exímio
estruturador, compreendia com limpidez meridiana as relações
de forças, sociais, empresariais ou políticas, e desenhava a
acção fluindo nos interstícios e fracturas delas. Nunca pela
negativa, nunca cinzento e acomodado - ele era um
revolucionário inteligente. Compreendia o valor do silêncio
e da persistência, mas a sua estratégia não era a da
sobrevivência, era a do triunfo da ideia que ele tinha de
Portugal.
Entusiasmava-se por grandes desígnios. Vencer o Adamastor
- eis um exemplo de como Lourenço Fernandes se projectava no
futuro, profundamente ancorado em raízes de portugalidade.
Vencer o Adamastor era, para ele, vencer o atraso de
Portugal. Tal como o Adamastor aos marinheiros
quinhentistas, a União Europeia assustou, no momento da
adesão: era um gigante e nós os anões, era um monstro e nós
desarmados, era um obstáculo invencível e nós havíamos de o
vencer. Muitos termos poderiam servir o tal desígnio de
triunfar na batalha da integração europeia - mas a escolha
de Lourenço Fernandes ou, pelo menos, porque não podemos
garantir a paternidade da frase, a adesão de coração ao seu
significado simbólico não nos equivoca na compreensão da
personalidade do homem.
(Para os mais novos: existiu mesmo um espírito Vencer o
Adamastor no INESC, e um conjunto de acções, pensamentos e
projectos levaram essa etiqueta nos anos 80)
Quando se desligou funcionalmente do INESC, Lourenço
Fernandes foi ainda preocupar-se com o país. A solidariedade
social passou a ocupá-lo de forma intensa. Parece, também,
simbólica, esta escolha: todas as suas capacidades, e eram
imensas, colocadas ao serviço de objectivos que poderíamos
traçar directamente à felicidade das pessoas, em especial
das mais desfavorecidas. Mas esta opção não foi tardia, quem
o conheceu sabe que Lourenço Fernandes sempre se revoltou
contra a injustiça e que, jovem ainda, já se havia rebelado
contra um sistema de governo do seu país que, precisamente,
negava o direito à felicidade.
Considerando este homem e a sua obra, regressa Fernando
Pessoa à memória, na ode:
Para ser grande, sê
inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive.
Ricardo Reis, 14-2-1933
João Carlos Rogenmoser Lourenço Fernandes pôs quanto era
em todo e cada gesto. Foi uma luz altíssima e nós, no
universo INESC, no INESC Porto, somos um desses muitos lagos
em que a sua lua ainda vive.
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