Por André Fernandes*
Os aniversários, sendo ocasiões de festa, são propícios a
produzirem histórias para contar. Havia uma que sucedia
comigo quando se cantavam os parabéns. Estando a família
reunida à volta do bolo, um tio meu aconselhava-me a
aproximar-me mais e mais das velas, afim de vê-las de perto
e soprá-las melhor. Eu assim o fazia, fascinado com a luz.
Quando a minha cara pairava sobre uma área considerável do
bolo, o meu tio espalmava-a gentilmente na cobertura, para
risada geral. Eu é que não achava grande graça à máscara de
chantilly mas, à custa da minha credulidade infantil,
a brincadeira foi-se repetindo anualmente.
Tendo iniciado a minha colaboração com o INESC Porto em
Maio, confesso que, à partida, não imaginaria tantas
oportunidades para conhecer as suas forças. As comemorações
dos 20 anos do INESC Porto têm sido reveladoras do dinamismo
da instituição.
Eventos como o Super Power Day, na quinta de
Segade, poderiam ser incluídos em qualquer manual de boas
práticas corporativas. Ao proporcionarem o reforço de laços
sociais entre colaboradores e esbaterem as fronteiras
organizacionais e hierárquicas, os convívios internos
fortalecem a cultura própria da instituição. A homenagem aos
colaboradores veio a propósito, pois a moralização do
capital humano passa muito pelo reconhecimento pessoal.
Neste caso, a relevância aumenta porque se homenagearam
aqueles que têm vivido toda a história da organização. No
fundo, são eles a referência para os colaboradores mais
recentes que, para benefício da sua integração, em boa hora
foram convidados.
O ciclo de conferências sobre cultura científica e
inovação investiu na dimensão institucional do INESC Porto,
colocando-o no centro da discussão sobre as politicas
científico-tecnológicas em Portugal. Aplicando à
organização, fiquei com a convicção que foram debatidas
ideias que inspirarão a definição de estratégias no INESC
Porto.
Este período coincidiu também com a realização do 5º
torneio de futebol do INESC Porto. Descontando a felicidade
de ter jogado na equipa vencedora do torneio, a experiência
desportiva mostrou-me o potencial destes eventos
extra-profissionais para promoverem o espírito de equipa dos
participantes, agregados naturalmente por unidade, e
incutirem uma mentalidade de competição na instituição.
Presenciei também um dos momentos altos das comemorações,
protagonizado por Jorge Sampaio. A visita do Presidente da
República é significativa uma vez que distingue o INESC
Porto como uma das instituições de excelência em matéria de
inovação. É motivo de regozijo colaborar numa organização
com este estatuto, capaz de gerar casos de sucesso como o da
FiberSensing.
Seria neste ponto, em deslumbramento pela luz do sucesso
e dos elogios, que o INESC Porto estaria perigosamente
exposto ao chantilly. O desmancha prazeres entra em acção.
Apesar de, pessoalmente, considerar que os debates nas
conferências foram enriquecidos com os contributos da
assistência, é opinião consensual que a adesão interna à
iniciativa ficou aquém do esperado. Tal facto indicia uma
fraca mobilização dos colaboradores para os temas que marcam
a actividade do INESC Porto como instituição. Este
alheamento também está patente em contexto laboral, como por
exemplo, na dificuldade que as actividades de estrutura
sentem em motivar as unidades para o fornecimento atempado
de informação. Fica a impressão que os colaboradores estão
confinados aos seus projectos sectoriais, não tendo a
consciência do rumo que a instituição que os acolhe está a
seguir. Assumindo que uma organização só avança se a equipa
que o constitui remar na mesma direcção, seria desejável
levar a visão global do INESC Porto aos colaboradores. Este
envolvimento estratégico consegue-se através de uma boa dose
de inovação organizacional.
Importantes questões, afloradas nas conferências, não
obtiveram resposta. Recordo-me de uma, levantada pelo Prof.
Guedes de Oliveira, referente à capacidade de recrutamento
da organização. Segundo o Professor, o INESC Porto não teve
qualquer resposta a um anúncio em busca de doutorados na
área das TIC.
Temos a noção que, num contexto de liberalização e
globalização dos mercados de trabalho, o INESC Porto
concorre com o mundo empresarial na captação do melhor
capital humano. Seria caso para reflectir sobre os factores
que tornariam o INESC Porto numa organização mais apelativa.
Porque não começar por interrogar o Eng. João Picoito,
responsável pelo laboratório óptico da Siemens, acerca da
politica de remunerações e incentivos da multinacional
alemã?
Foi com desilusão que recebi a notícia do cancelamento
dos cursos de formação da ESA, aparentemente por falta de
participantes. Estes cursos exporiam as instituições
portuguesas tanto ao “modus operandi” da ESA como ao seu
know how. Além do mais, seria uma oportunidade
para o estabelecimento de contactos e troca de ideias para
projectos.
Embora a organização dos cursos não seja da
responsabilidade directa do INESC Porto, fica por perceber
se poderia ter sido feito algo mais, quando se sabe que a
indústria aeroespacial é um dos motores da inovação
tecnológica e se verifica que a próxima edição destes
cursos, a realizar na Holanda, já conta com dezenas de
empresas inscritas.
Quanto ao louvor presidencial à FiberSensing, concordo em
absoluto com a valorização das spin-offs. Agora, será
motivo para insatisfação pensarmos na raridade com que elas
sucedem. O número de spin-offs em relação às despesas
em I&D do INESC Porto indica uma veia empreendedora com
potencial para, se for criada massa crítica, incubar mais
empresas do que as três dos últimos 10 anos. Para tal
objectivo, será sempre importante a promoção de uma cultura
disponível para assumir o risco.
Em termos de actividade constata-se que, no presente, o
INESC Porto desenvolve um reduzido número de projectos de
transferência de tecnologia, um dos desígnios estatutários
da instituição. Preocupa também a desproporção das receitas
próprias face aos fluxos provenientes dos programas de
financiamento. Pela incerteza, escassez e pouca
flexibilidade na aplicação dos recursos dos programas de
financiamento (só podem ser alocados aos projectos a que
corresponde o financiamento e na medida dos seus custos),
seria vantajoso equilibrar o peso das várias fontes de
rendimento no total de proveitos.
Uma solução para estas duas tendências menos positivas
passaria por uma atitude pró activa, orientada para o
mercado potencial do INESC Porto, o tecido empresarial.
Instituições na fronteira da I&D têm formalizado esta função
através da criação de “liaison offices” no sentido de
desenvolver mercado e sintonizar oportunidades de negócio.
Atente-se ao exemplo da
CSIRO “Commonwealth scientific and industrial
research organization”, na Austrália. Esta aposta na
especialização funcional é tanto mais pertinente quando nos
interrogamos se é viável um colaborador investigar,
leccionar e gerar ideias para projectos, ao mesmo tempo que
busca contratos e vende as competências da instituição.
A traquinice familiar de que era alvo avisa-nos para a
excessiva sedução pelas luzes da festa. Se nos aproximamos
em demasia, perdemos clarividência, e ficamos sujeitos ao
chantilly. Mais vale soprar as velas à distância. Além
de se treinar o fôlego, festeja-se com sentido no futuro.
O CONSULTOR DO LEITOR COMENTA
Caro André Fernandes, todos beneficiamos de pessoas que
se ocupem com pensamentos lúcidos, como os que te deste ao
trabalho de alinhar.
O nosso problema, em Portugal, é termos excesso de
diagnósticos e carência de terapêuticas (vês? isto é ainda
outro diagnóstico...). Diz-se repetidamente: " as pessoas
deveriam criar empresas, deveriam isto, deveriam aquilo..."
- mas são sempre as outras que deveriam.
Não podemos simplesmente pegar nos académicos, com um
perfil de ocupação como o que descreveste, e agora mandá-los
criar empresas. Tu já protestaste por lhes pedirmos que
tratem de arranjar contratos... Mas é que do contrato à
empresa o passo é mais curto, e mais fácil de dar, do que da
aula à empresa. Por isso, estamos no caminho certo, ainda
que o caminho tenha muito que percorrer.
O que precisamos, também, é de apostar na concretização
de doutoramentos na indústria - para criarmos doutorados que
compreendam o que é uma empresa. Existem mecanismos de apoio
estatal a isso - mas pouca viabilização prática. Vamos a
isso, portanto.
O orgulho que parece teres no INESC Porto, é justo e
merecido. Agora, precisas de contabilizar o que vais fazer
para que, dentro de tempos, outros venham a sentir iguais
motivos de orgulho, quando cá entrarem.
Para esta atitude te convoco, e a todos nós: marca a
diferença para a cultura do lamento tão portuguesa. Nunca
pares na interrogação do que é que se deveria fazer, mas
mostra como fazê-lo com o teu exemplo.
* Colaborador do Departamento de
Informação e Logística (DIL)
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