Na primeira entrevista desde que assumiu as funções de
presidente do INESC Porto, José Manuel Mendonça revela, em
exclusivo para o BIP, como vê o INESC Porto depois de 10
anos de ausência a comandar os destinos da Agência de
Inovação e da Fundação Ilídio Pinho. Com uma simplicidade e
humildade indisfarçáveis, o novo presidente garante que
ainda está a aprender. E no que diz respeito a possíveis
mudanças no INESC Porto, José Manuel Mendonça não vê razão
para se reorganizar só por reorganizar, “enquanto não houver
uma reflexão e propostas concretas para nos encaminharmos
numa nova direcção”.
“Posso ver o INESC Porto como os outros o vêem”
BIP - O que espera trazer de novo ao INESC Porto, uma
vez que tem um percurso profissional fora do instituto?
José Manuel Mendonça (JMM) - Estive 10 anos no INESC
no Porto, mas ausentei-me nos 10 anos seguintes. A minha
contribuição pode ser distinta de quem já cá está. Embora a
meu desfavor tenha um conhecimento menos profundo do que os
outros directores, tirando esse handicap, a parte
positiva que eu posso trazer é uma visão externa. Na
verdade, é uma visão de quem conheceu o INESC no Porto e
depois esteve fora, num ambiente mais alargado e abrangente
na área da inovação, quer na Agência de Inovação, quer na
Fundação Ilídio Pinho. Tenho assim uma perspectiva mais
distante e posso ver o INESC Porto como os outros o vêem,
como as empresas e outras instituições olham para nós.
“Também me envolvo nas coisas de uma forma quase
ilimitada”
BIP - Como espera conciliar a sua forma de
liderança e personalidade com a forma de estar cá no INESC
Porto ou, mais especificamente, com a liderança anterior?
JMM - O Prof. Pedro Guedes de Oliveira tem uma
personalidade bastante forte e característica e uma
capacidade de liderança extraordinária. Externaliza as suas
emoções facilmente, mas é uma pessoa muito inteligente e, do
ponto de vista emocional, encantadora. Tem muito do que se
chama inteligência emocional. Sempre foi muito respeitado
pela sua serenidade, pela sua competência, pelo seu rigor e
envolvimento nas coisas. Dá-se às pessoas e a tudo o que faz
e diz, e usa completamente toda a sua competência, o seu
saber e toda a sua energia.
Eu sou diferente, tenho uma personalidade distinta da
dele, embora nalguns pontos possa haver semelhanças. Penso
que também me envolvo nas coisas de uma forma quase
ilimitada. A atitude, o envolvimento, a forma de gerir e a
minha experiência de gestão serão diferentes, certamente. E
o facto de ter passado por meios mais próximos da indústria,
das empresas e dos investidores marcou obviamente a minha
maneira de gerir e de me relacionar.
“Um projecto comum dos directores e dos 240
colaboradores”
BIP - Que sonho para o INESC Porto gostaria de ver
realizado?
JMM - O sonho não é só meu, é meu e dos outros
directores, dos Responsáveis das Unidades... Aliás, na
última Reunião de Unidades (RU) já expressei que o sonho não
é só meu, é um projecto comum dos directores e de todos os
240 colaboradores do INESC Porto. Obviamente que alguns têm
a responsabilidade de conduzir e de liderar, mas não é um
projecto individual. Já expressei isto na RU de alguma forma
e, portanto, não é segredo. Penso que o INESC Porto tem uma
grande responsabilidade que é a de participar em algo de que
o País precisa, que é de alguma forma evoluir e transformar,
quer o sistema de inovação e o sistema de investigação, quer
o tecido industrial e económico que, como todos sabem,
precisam urgentemente de uma transformação e de uma
renovação. E como estes dois mundos, académico e
empresarial, interagem cada vez mais fortemente, o INESC
Porto pode ajudar, com o seu posicionamento, a sua acção, a
sua actividade e os seus projectos, a transformar ambos.
O INESC foi uma instituição pioneira desde o início. O
INESC nacional foi uma instituição pioneira em 1980 e a
partir daí foram surgindo instituições de interface
universitária de diferentes tipos. O INESC Porto foi
pioneiro mais tarde, ao provocar uma mudança de modelo do
próprio INESC. Esta mudança de modelo foi impulsionada e
conduzida pelo INESC Porto, que achou (e muito bem) que os
tempos mudavam e era preciso adoptar outro tipo de modelo de
organização e gestão. Isto fez-se mantendo uma imagem de um
INESC global, mas autonomizando por completo a estratégia de
intervenção, e as actividades, quer em termos de projectos,
quer em termos financeiros e de gestão de recursos humanos.
Portanto, acho que o INESC e o INESC Porto foram pioneiros,
um em 1980 e o outro em 1998.
“Empurrar a ambição naquilo que não é tão bem
conseguido”
BIP - E agora, que outros desafios se apresentam?
JMM - Eu acho que o universo INESC apresenta algumas
diferenças relativamente a outras instituições de interface.
É que, para além de ser um instrumento de relacionamento da
universidade com as empresas, com o tecido económico e com a
sociedade, há uma estratégia definida e persistente no tempo
que têm objectivos de muita ambição no que diz respeito ao
relacionamento com o tecido económico e social. O INESC
Porto tem esta particularidade e tem de a assumir e de a
reforçar. Portanto, os grandes desafios são o reforço da
ligação ao tecido económico, empresarial e social (às
autarquias, hospitais, empresas...) e, por outro lado, um
reforço da vertente da internacionalização, que já existe,
mas que poderá merecer um novo fôlego. A excelência
científica e tecnológica tem de ser sempre vista num âmbito
internacional, assim como a capacidade de prestação de
serviços, de colaborar no desenvolvimento de tecnologias e
produtos, de lançar spin-offs, etc. Portanto, devemos
manter os pontos fortes e alargar e empurrar a ambição
naquilo que é, não direi menos forte, mas que não é tão bem
conseguido. Estes são grandes desafios.
“A mudarmos será com uma perspectiva de um novo
ciclo”
BIP - E em termos de reorganizações internas, o que
pensa fazer?
JMM - Uma mudança de Direcção é sempre uma
oportunidade para fazer mudanças internas (e é esta uma boa
oportunidade), mas as mudanças não se devem fazer
precipitadamente. Não se devem fazer nunca naquele espírito
que muitas vezes emerge, noutros níveis, de mudar por mudar,
como com os governos, só porque agora é que eu sei e os
outros não percebiam nada disto, isto agora é que vai ser
brilhante... nada disso. Portanto, o que foi decidido é que
tudo fica como dantes, assumindo eu, no curto prazo, as
responsabilidades, quer estratégicas, quer operacionais, do
Prof. Pedro Guedes de Oliveira. Entretanto, a Direcção junto
com os Responsáveis das Unidades, vai discutir quais as
mudanças e a oportunidade da sua implementação.
Obviamente que poderá haver oportunidade para fazer
mudanças ou melhorias, mas não me parece que seja visível a
necessidade imediata de grandes mudanças internas de
processos, de serviços e de organização, a não ser em
resultado do perseguir de grandes objectivos estratégicos
que sejam entretanto pensados. Enquanto estes objectivos
estratégicos não estiverem bem consolidados, enquanto não
houver uma reflexão e propostas concretas para nos
encaminharmos numa nova direcção, não vejo razão para se
fazerem reorganizações internas, para se reorganizar só por
reorganizar. Penso que os meus colegas de Direcção partilham
esta minha opinião. Diria eu que nos próximos meses esta
reflexão irá ter lugar. É uma boa oportunidade para
equacionar possíveis mudanças. E a preparação do Plano para
o ano que vem, poderá já incluir algumas alterações que
sejam oportunas. Portanto, não vale a pena mudar nada por
dois meses ou três. A mudarmos será com uma perspectiva de
um novo ciclo e o Plano e Orçamento para 2006 é uma boa
oportunidade para o fazer.
“O objectivo será, com as mesmas pessoas e com os
mesmos milhões de euros, sermos mais eficazes na nossa
missão”
BIP - Como é que equaciona o problema do crescimento
do INESC Porto, tendo em conta a especialização de algumas
áreas?
JMM - Terá de ser um misto. Será necessário enquadrar
na organização actual novas áreas de trabalho que vão surgir
e crescer, seja na área da Energia, Telecomunicações, etc.
Vão surgir de certeza oportunidades em nichos e em sub-áreas
dessas áreas. Isso vai possivelmente fazê-las crescer.
Poderá haver também novas áreas que surjam na fronteira, no
vazio, que parece que não se enquadram em nenhuma das áreas
existentes, o que não quer dizer que não possam andar para a
frente. Estas novas áreas têm de ser encaixadas ou
enquadradas numa das Unidades, fazendo-a crescer e alargar o
seu âmbito, ou mantendo actividades que podem ficar
directamente dependentes da Direcção, até terem dimensão e
massa crítica que justifique abrir novos caminhos.
Diria eu que o aprofundamento do que já existe depende de
vários factores, nomeadamente do “mercado”, isto é, das
necessidades dos clientes, das empresas do País. A procura
de inovação e de tecnologia em Portugal ainda é limitada,
modesta mesmo. Um dos principais problemas no nosso País é
um baixo nível de procura de inovação, de ciência e
tecnologia. Obviamente que o INESC Porto, para além de
outros parceiros, tem como obrigação fazer suscitar maior
procura. Se a procura fosse o dobro e se o INESC Porto
mantivesse a sua posição nesse “mercado” da ciência,
tecnologia e inovação, teria então que ter o dobro do
tamanho, da dimensão. Atendendo a que a procura de fora não
cresce para o dobro de repente, não prevejo que, dentro das
mesmas áreas de actividade, se cresça assim muito. Pode-se
aprofundar e aumentar a sofisticação dos trabalhos, dos
projectos e da investigação, mas o crescimento tem de ser
feito das duas formas. Tem que se crescer um bocadinho, nos
dois sentidos. Não sou obcecado com o crescimento e penso
que a Direcção partilha isso comigo.
Se tivermos em conta que o INESC Porto tem 240 pessoas e
uma actividade anual de seis ou sete milhões de euros, o
objectivo não será passar a ter 300 pessoas e uma actividade
de 10 milhões de euros. O objectivo será, com as mesmas
pessoas e com os mesmos milhões de euros, sermos muito mais
eficazes na nossa missão e intervenção e termos um efeito de
maior valia na sociedade e no tecido económico, etc.. Ou
seja, conseguirmos um efeito potenciador da missão do INESC
Porto. É óbvio que todos gostamos de crescer e o INESC Porto
gostaria de crescer, mas não é a qualquer preço, nem de
qualquer forma, nem o objectivo principal.
“Acho que é possível fazer mais, mesmo com os mesmos
recursos”
BIP - Como vê o relacionamento do INESC Porto com os
outros Institutos/Laboratórios Associados e com o Ministério
da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior?
JMM - O relacionamento é bom. Penso que até agora o
INESC Porto tem ocupado uma posição especial. É um
Laboratório Associado, conseguiu este estatuto e conserva-o.
Laboratório Associado é uma etiqueta, atribuída pelo
Ministério da Ciência, que tem a ver com o nível científico
daquilo que se faz. Aliás, penso que o INESC Porto começou
por ser classificado como Muito Bom e depois subiu para
Excelente nas avaliações científicas internacionais. E acho
que é possível fazer mais, mesmo com os mesmos recursos,
isto é, com um bocadinho mais de esforço ou com uma
utilização melhor do esforço, será possível fazer um pouco
mais, ainda. Entretanto o relacionamento é óptimo, não há
razões de queixa, e nisso será decerto determinante a
credibilidade do INESC Porto.
“O INESC Porto é reconhecido como uma instituição
de referência”
BIP - Que visão tem da relação entre instituições
como o INESC Porto, que fica geograficamente longe da
capital, e os poderes políticos locais, nomeadamente o poder
autárquico?
JMM - O INESC Porto está longe da capital, mas acaba
por estar menos longe do que se supõe. Em primeiro lugar,
porque faz parte do universo INESC, que tem peso na capital.
Não quer dizer que isso seja determinante ou o principal,
mas ajuda de alguma forma. Muitos projectos são feitos com
empresas que estão na capital, e há também actividades de
consultoria realizadas para empresas e instituições que
estão em Lisboa e até para instituições governamentais. O
INESC Porto tem vindo a ter uma presença e um protagonismo
importantes, por exemplo junto da Entidade Reguladora da
Energia. Mais recentemente também na área das
Telecomunicações, entre outras. Assim, o INESC Porto acaba
por ser, em algumas áreas de competência específicas,
reconhecido como uma instituição de referência, com a qual é
preciso dialogar, perguntar, ir buscar auxílio, parecer e
consultoria, apesar de estar longe da capital.
Relativamente à sua inserção no poder autárquico local,
eu penso que o INESC Porto pode fazer mais do que está a
fazer. Pode tomar a iniciativa, pode propor e já há alguns
projectos com as Câmaras, há o Media Parque, entre outros,
que é um projecto ligado à cidade. Não tenho nenhuma dúvida
de que se pode fazer algo mais em muitas das áreas. Mas tudo
isto requer tempo e esforço e os recursos humanos são sempre
limitados...
“O INESC Porto deve apostar na relação com
associações sectoriais e centros tecnológicos”
BIP - Como vê a relação do INESC Porto com as
associações empresariais e os grandes grupos económicos?
JMM - Relativamente às associações empresariais, a
relação mais estreita é feita de facto com o braço
tecnológico dessas associações, que são os Centros
Tecnológicos sectoriais. O INESC Porto tem-se relacionado em
projectos concretos com associações empresariais sectoriais,
mas sobretudo via centros tecnológicos, nos têxteis, no
calçado, nos moldes... Digamos que a relação é quase
directamente com as empresas e os centros tecnológicos e
menos com as associações empresariais. E as empresas vão
conhecendo o INESC Porto. Disso não tenho a menor dúvida.
Com as associações empresariais, de âmbito regional ou
nacional, o relacionamento é menor porque essas associações
colocam-se mais num âmbito político e estratégico na defesa
de grupos de interesse. Nesta vertente política e
estratégica, relativa aos sectores industriais, à indústria
ou à economia portuguesas, o INESC Porto tem evidentemente
uma relação menor. O INESC Porto deve apostar e cultivar
essencialmente a relação com associações sectoriais e
centros tecnológicos, e com as empresas dos sectores que
precisam e procuram a inovação, a ciência e a tecnologia.
“Ainda tenho muito que aprender no INESC Porto”
BIP - Há algum comentário final que queira fazer?
JMM - Sim. Queria ainda dizer que achei notável no
INESC Porto a capacidade interna, a visão e a vontade de
renovação que surgiu de dentro. Acho que isso é louvável e
muito pouco vulgar em Portugal. No nosso País, as pessoas
têm por hábito agarrar-se aos lugares e dificultar a
renovação e as mudanças. A capacidade que o INESC Porto tem
de se renovar revela uma pujança e uma vitalidade
invulgares. E é notável que tenha surgido do interior da sua
Direcção e do próprio Prof. Pedro Guedes de Oliveira. Essa
lucidez e percepção não são nada usuais. Esta capacidade de
regeneração interna é um excelente indício para o futuro.
Acho que ainda estou a aprender, ainda desconheço muita
coisa. Em primeiro lugar porque mudar, desligar-me das
actividades anteriores a que estive ligado até recentemente
e estar 100 por cento com a cabeça no INESC Porto, não se
consegue em dois dias, nem em dois meses. Portanto, ainda
tenho muito que aprender no INESC Porto, ainda há muita
realidade para absorver. Mas acredito que a dinâmica da
instituição vai encarregar-se rapidamente disso.
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