B o l e t i m Número 53 de Julho 2005 - Ano IV
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Tribuna
Na primeira entrevista desde que assumiu as funções de presidente do INESC Porto, José Manuel Mendonça revela, em exclusivo para o BIP, como vê o INESC Porto depois de 10 anos de ausência a comandar os destinos da Agência de Inovação e da Fundação Ilídio Pinho
 
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T R I B U N A

Novo Presidente do INESC Porto em entrevista

Na primeira entrevista desde que assumiu as funções de presidente do INESC Porto, José Manuel Mendonça revela, em exclusivo para o BIP, como vê o INESC Porto depois de 10 anos de ausência a comandar os destinos da Agência de Inovação e da Fundação Ilídio Pinho. Com uma simplicidade e humildade indisfarçáveis, o novo presidente garante que ainda está a aprender. E no que diz respeito a possíveis mudanças no INESC Porto, José Manuel Mendonça não vê razão para se reorganizar só por reorganizar, “enquanto não houver uma reflexão e propostas concretas para nos encaminharmos numa nova direcção”.
 

“Posso ver o INESC Porto como os outros o vêem”
BIP - O que espera trazer de novo ao INESC Porto, uma vez que tem um percurso profissional fora do instituto?
José Manuel Mendonça (JMM) - Estive 10 anos no INESC no Porto, mas ausentei-me nos 10 anos seguintes. A minha contribuição pode ser distinta de quem já cá está. Embora a meu desfavor tenha um conhecimento menos profundo do que os outros directores, tirando esse handicap, a parte positiva que eu posso trazer é uma visão externa. Na verdade, é uma visão de quem conheceu o INESC no Porto e depois esteve fora, num ambiente mais alargado e abrangente na área da inovação, quer na Agência de Inovação, quer na Fundação Ilídio Pinho. Tenho assim uma perspectiva mais distante e posso ver o INESC Porto como os outros o vêem, como as empresas e outras instituições olham para nós.

“Também me envolvo nas coisas de uma forma quase ilimitada”
BIP - Como espera conciliar a sua forma de liderança e personalidade com a forma de estar cá no INESC Porto ou, mais especificamente, com a liderança anterior?
JMM - O Prof. Pedro Guedes de Oliveira tem uma personalidade bastante forte e característica e uma capacidade de liderança extraordinária. Externaliza as suas emoções facilmente, mas é uma pessoa muito inteligente e, do ponto de vista emocional, encantadora. Tem muito do que se chama inteligência emocional. Sempre foi muito respeitado pela sua serenidade, pela sua competência, pelo seu rigor e envolvimento nas coisas. Dá-se às pessoas e a tudo o que faz e diz, e usa completamente toda a sua competência, o seu saber e toda a sua energia.

Eu sou diferente, tenho uma personalidade distinta da dele, embora nalguns pontos possa haver semelhanças. Penso que também me envolvo nas coisas de uma forma quase ilimitada. A atitude, o envolvimento, a forma de gerir e a minha experiência de gestão serão diferentes, certamente. E o facto de ter passado por meios mais próximos da indústria, das empresas e dos investidores marcou obviamente a minha maneira de gerir e de me relacionar.

“Um projecto comum dos directores e dos 240 colaboradores”
BIP - Que sonho para o INESC Porto gostaria de ver realizado?
JMM - O sonho não é só meu, é meu e dos outros directores, dos Responsáveis das Unidades... Aliás, na última Reunião de Unidades (RU) já expressei que o sonho não é só meu, é um projecto comum dos directores e de todos os 240 colaboradores do INESC Porto. Obviamente que alguns têm a responsabilidade de conduzir e de liderar, mas não é um projecto individual. Já expressei isto na RU de alguma forma e, portanto, não é segredo. Penso que o INESC Porto tem uma grande responsabilidade que é a de participar em algo de que o País precisa, que é de alguma forma evoluir e transformar, quer o sistema de inovação e o sistema de investigação, quer o tecido industrial e económico que, como todos sabem, precisam urgentemente de uma transformação e de uma renovação. E como estes dois mundos, académico e empresarial, interagem cada vez mais fortemente, o INESC Porto pode ajudar, com o seu posicionamento, a sua acção, a sua actividade e os seus projectos, a transformar ambos.

O INESC foi uma instituição pioneira desde o início. O INESC nacional foi uma instituição pioneira em 1980 e a partir daí foram surgindo instituições de interface universitária de diferentes tipos. O INESC Porto foi pioneiro mais tarde, ao provocar uma mudança de modelo do próprio INESC. Esta mudança de modelo foi impulsionada e conduzida pelo INESC Porto, que achou (e muito bem) que os tempos mudavam e era preciso adoptar outro tipo de modelo de organização e gestão. Isto fez-se mantendo uma imagem de um INESC global, mas autonomizando por completo a estratégia de intervenção, e as actividades, quer em termos de projectos, quer em termos financeiros e de gestão de recursos humanos. Portanto, acho que o INESC e o INESC Porto foram pioneiros, um em 1980 e o outro em 1998.

“Empurrar a ambição naquilo que não é tão bem conseguido”
BIP - E agora, que outros desafios se apresentam?
JMM - Eu acho que o universo INESC apresenta algumas diferenças relativamente a outras instituições de interface. É que, para além de ser um instrumento de relacionamento da universidade com as empresas, com o tecido económico e com a sociedade, há uma estratégia definida e persistente no tempo que têm objectivos de muita ambição no que diz respeito ao relacionamento com o tecido económico e social. O INESC Porto tem esta particularidade e tem de a assumir e de a reforçar. Portanto, os grandes desafios são o reforço da ligação ao tecido económico, empresarial e social (às autarquias, hospitais, empresas...) e, por outro lado, um reforço da vertente da internacionalização, que já existe, mas que poderá merecer um novo fôlego. A excelência científica e tecnológica tem de ser sempre vista num âmbito internacional, assim como a capacidade de prestação de serviços, de colaborar no desenvolvimento de tecnologias e produtos, de lançar spin-offs, etc. Portanto, devemos manter os pontos fortes e alargar e empurrar a ambição naquilo que é, não direi menos forte, mas que não é tão bem conseguido. Estes são grandes desafios.

“A mudarmos será com uma perspectiva de um novo ciclo”
BIP - E em termos de reorganizações internas, o que pensa fazer?
JMM - Uma mudança de Direcção é sempre uma oportunidade para fazer mudanças internas (e é esta uma boa oportunidade), mas as mudanças não se devem fazer precipitadamente. Não se devem fazer nunca naquele espírito que muitas vezes emerge, noutros níveis, de mudar por mudar, como com os governos, só porque agora é que eu sei e os outros não percebiam nada disto, isto agora é que vai ser brilhante... nada disso. Portanto, o que foi decidido é que tudo fica como dantes, assumindo eu, no curto prazo, as responsabilidades, quer estratégicas, quer operacionais, do Prof. Pedro Guedes de Oliveira. Entretanto, a Direcção junto com os Responsáveis das Unidades, vai discutir quais as mudanças e a oportunidade da sua implementação.

Obviamente que poderá haver oportunidade para fazer mudanças ou melhorias, mas não me parece que seja visível a necessidade imediata de grandes mudanças internas de processos, de serviços e de organização, a não ser em resultado do perseguir de grandes objectivos estratégicos que sejam entretanto pensados. Enquanto estes objectivos estratégicos não estiverem bem consolidados, enquanto não houver uma reflexão e propostas concretas para nos encaminharmos numa nova direcção, não vejo razão para se fazerem reorganizações internas, para se reorganizar só por reorganizar. Penso que os meus colegas de Direcção partilham esta minha opinião. Diria eu que nos próximos meses esta reflexão irá ter lugar. É uma boa oportunidade para equacionar possíveis mudanças. E a preparação do Plano para o ano que vem, poderá já incluir algumas alterações que sejam oportunas. Portanto, não vale a pena mudar nada por dois meses ou três. A mudarmos será com uma perspectiva de um novo ciclo e o Plano e Orçamento para 2006 é uma boa oportunidade para o fazer.

“O objectivo será, com as mesmas pessoas e com os mesmos milhões de euros, sermos mais eficazes na nossa missão”
BIP - Como é que equaciona o problema do crescimento do INESC Porto, tendo em conta a especialização de algumas áreas?
JMM - Terá de ser um misto. Será necessário enquadrar na organização actual novas áreas de trabalho que vão surgir e crescer, seja na área da Energia, Telecomunicações, etc. Vão surgir de certeza oportunidades em nichos e em sub-áreas dessas áreas. Isso vai possivelmente fazê-las crescer. Poderá haver também novas áreas que surjam na fronteira, no vazio, que parece que não se enquadram em nenhuma das áreas existentes, o que não quer dizer que não possam andar para a frente. Estas novas áreas têm de ser encaixadas ou enquadradas numa das Unidades, fazendo-a crescer e alargar o seu âmbito, ou mantendo actividades que podem ficar directamente dependentes da Direcção, até terem dimensão e massa crítica que justifique abrir novos caminhos.

Diria eu que o aprofundamento do que já existe depende de vários factores, nomeadamente do “mercado”, isto é, das necessidades dos clientes, das empresas do País. A procura de inovação e de tecnologia em Portugal ainda é limitada, modesta mesmo. Um dos principais problemas no nosso País é um baixo nível de procura de inovação, de ciência e tecnologia. Obviamente que o INESC Porto, para além de outros parceiros, tem como obrigação fazer suscitar maior procura. Se a procura fosse o dobro e se o INESC Porto mantivesse a sua posição nesse “mercado” da ciência, tecnologia e inovação, teria então que ter o dobro do tamanho, da dimensão. Atendendo a que a procura de fora não cresce para o dobro de repente, não prevejo que, dentro das mesmas áreas de actividade, se cresça assim muito. Pode-se aprofundar e aumentar a sofisticação dos trabalhos, dos projectos e da investigação, mas o crescimento tem de ser feito das duas formas. Tem que se crescer um bocadinho, nos dois sentidos. Não sou obcecado com o crescimento e penso que a Direcção partilha isso comigo.

Se tivermos em conta que o INESC Porto tem 240 pessoas e uma actividade anual de seis ou sete milhões de euros, o objectivo não será passar a ter 300 pessoas e uma actividade de 10 milhões de euros. O objectivo será, com as mesmas pessoas e com os mesmos milhões de euros, sermos muito mais eficazes na nossa missão e intervenção e termos um efeito de maior valia na sociedade e no tecido económico, etc.. Ou seja, conseguirmos um efeito potenciador da missão do INESC Porto. É óbvio que todos gostamos de crescer e o INESC Porto gostaria de crescer, mas não é a qualquer preço, nem de qualquer forma, nem o objectivo principal.

“Acho que é possível fazer mais, mesmo com os mesmos recursos”
BIP - Como vê o relacionamento do INESC Porto com os outros Institutos/Laboratórios Associados e com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior?
JMM - O relacionamento é bom. Penso que até agora o INESC Porto tem ocupado uma posição especial. É um Laboratório Associado, conseguiu este estatuto e conserva-o. Laboratório Associado é uma etiqueta, atribuída pelo Ministério da Ciência, que tem a ver com o nível científico daquilo que se faz. Aliás, penso que o INESC Porto começou por ser classificado como Muito Bom e depois subiu para Excelente nas avaliações científicas internacionais. E acho que é possível fazer mais, mesmo com os mesmos recursos, isto é, com um bocadinho mais de esforço ou com uma utilização melhor do esforço, será possível fazer um pouco mais, ainda. Entretanto o relacionamento é óptimo, não há razões de queixa, e nisso será decerto determinante a credibilidade do INESC Porto.

“O INESC Porto é reconhecido como uma instituição de referência”
BIP - Que visão tem da relação entre instituições como o INESC Porto, que fica geograficamente longe da capital, e os poderes políticos locais, nomeadamente o poder autárquico?
JMM - O INESC Porto está longe da capital, mas acaba por estar menos longe do que se supõe. Em primeiro lugar, porque faz parte do universo INESC, que tem peso na capital. Não quer dizer que isso seja determinante ou o principal, mas ajuda de alguma forma. Muitos projectos são feitos com empresas que estão na capital, e há também actividades de consultoria realizadas para empresas e instituições que estão em Lisboa e até para instituições governamentais. O INESC Porto tem vindo a ter uma presença e um protagonismo importantes, por exemplo junto da Entidade Reguladora da Energia. Mais recentemente também na área das Telecomunicações, entre outras. Assim, o INESC Porto acaba por ser, em algumas áreas de competência específicas, reconhecido como uma instituição de referência, com a qual é preciso dialogar, perguntar, ir buscar auxílio, parecer e consultoria, apesar de estar longe da capital.

Relativamente à sua inserção no poder autárquico local, eu penso que o INESC Porto pode fazer mais do que está a fazer. Pode tomar a iniciativa, pode propor e já há alguns projectos com as Câmaras, há o Media Parque, entre outros, que é um projecto ligado à cidade. Não tenho nenhuma dúvida de que se pode fazer algo mais em muitas das áreas. Mas tudo isto requer tempo e esforço e os recursos humanos são sempre limitados...

“O INESC Porto deve apostar na relação com associações sectoriais e centros tecnológicos”
BIP - Como vê a relação do INESC Porto com as associações empresariais e os grandes grupos económicos?
JMM - Relativamente às associações empresariais, a relação mais estreita é feita de facto com o braço tecnológico dessas associações, que são os Centros Tecnológicos sectoriais. O INESC Porto tem-se relacionado em projectos concretos com associações empresariais sectoriais, mas sobretudo via centros tecnológicos, nos têxteis, no calçado, nos moldes... Digamos que a relação é quase directamente com as empresas e os centros tecnológicos e menos com as associações empresariais. E as empresas vão conhecendo o INESC Porto. Disso não tenho a menor dúvida.

Com as associações empresariais, de âmbito regional ou nacional, o relacionamento é menor porque essas associações colocam-se mais num âmbito político e estratégico na defesa de grupos de interesse. Nesta vertente política e estratégica, relativa aos sectores industriais, à indústria ou à economia portuguesas, o INESC Porto tem evidentemente uma relação menor. O INESC Porto deve apostar e cultivar essencialmente a relação com associações sectoriais e centros tecnológicos, e com as empresas dos sectores que precisam e procuram a inovação, a ciência e a tecnologia.

“Ainda tenho muito que aprender no INESC Porto”
BIP - Há algum comentário final que queira fazer?
JMM - Sim. Queria ainda dizer que achei notável no INESC Porto a capacidade interna, a visão e a vontade de renovação que surgiu de dentro. Acho que isso é louvável e muito pouco vulgar em Portugal. No nosso País, as pessoas têm por hábito agarrar-se aos lugares e dificultar a renovação e as mudanças. A capacidade que o INESC Porto tem de se renovar revela uma pujança e uma vitalidade invulgares. E é notável que tenha surgido do interior da sua Direcção e do próprio Prof. Pedro Guedes de Oliveira. Essa lucidez e percepção não são nada usuais. Esta capacidade de regeneração interna é um excelente indício para o futuro.

Acho que ainda estou a aprender, ainda desconheço muita coisa. Em primeiro lugar porque mudar, desligar-me das actividades anteriores a que estive ligado até recentemente e estar 100 por cento com a cabeça no INESC Porto, não se consegue em dois dias, nem em dois meses. Portanto, ainda tenho muito que aprender no INESC Porto, ainda há muita realidade para absorver. Mas acredito que a dinâmica da instituição vai encarregar-se rapidamente disso.



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