B o l e t i m Número 54 de Setembro 2005 - Ano IV
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N O T Í C I A S

Coordenador-adjunto da USE nomeado Presidente do Júri do Concurso de Produção Eólica

João Peças Lopes, coordenador-adjunto da Unidade de Sistemas de Energia (USE), foi recentemente nomeado pelo governo para Presidente do Júri do Concurso Internacional para Atribuição de 1500 MW de Produção Eólica em Portugal. O BIP quis saber por que foi o investigador escolhido para tão prestigiante cargo e perceber que grandes mudanças se avizinham.

BIP – Em que data se tornou Presidente do Júri?
João Peças Lopes (JPL) – Houve um despacho do Sr. Secretário de Estado, de Julho deste ano, que nomeou todo o Júri. Isso ocorreu ao mesmo tempo que foi publicado o Caderno de Encargos e o Programa do Concurso Internacional.

BIP – Que factores considera que determinaram a sua escolha para este cargo?
JPL – Acima de tudo, é preciso dizer que a USE esteve envolvida na preparação do Caderno de Encargos e do Programa do Concurso. Fomos contratados pela Direcção Geral de Geologia e Energia, em conjunto com advogados, economistas e outras entidades, como o INETI, para desenvolver esse projecto. Depois disso, era normal que alguém desta equipa estivesse envolvida no Júri. Admito que o trabalho que temos vindo a desenvolver, e eu em particular na área da Integração da Produção Eólica, com um elevado nível de exposição pública, levou a que o Sr. Secretário de Estado e o Sr. Ministro da Economia entendessem que era bom encontrar uma pessoa que fosse isenta. Queriam encontrar uma pessoa que tivesse prestígio e que fosse conhecedora do assunto para a nomearem para um Concurso Internacional que pode levar a um volume de investimento global, directo ou indirecto, que pode ultrapassar os três mil milhões de euros. É uma tarefa de uma grande responsabilidade.

BIP – Que tarefas vai desenvolver em concreto?
JPL –No Júri somos cinco pessoas. O Presidente do Júri distribui trabalho pelas restantes quatro pessoas. É assessorado por uma Comissão Técnica, que também foi nomeada. Posso dizer que o Prof. Manuel Matos é um dos elementos dessa Comissão. De Outubro até finais de Janeiro de 2006, o Júri vai responder a perguntas e tirar dúvidas aos concorrentes. As respostas que dermos terão de ser públicas. A partir do dia 30 de Janeiro os concorrentes entregarão os processos de candidatura. A seguir, teremos de analisar todas as candidaturas com um conjunto de critérios que foram previamente definidos no Programa de Concurso.

BIP – Vão escolher apenas uma candidatura ou mais?
JPL – De acordo com o Programa do Concurso, apenas serão escolhidos dois vencedores. Ao primeiro vencedor é-lhe atribuída a maior fatia e ao segundo uma fatia menor. A ideia é promover alguma competição porque, caso contrário, corríamos o risco de os vários interessados se juntarem numa só candidatura. Para já estamos à espera de receber mais do que dois consórcios concorrentes.

BIP – Num futuro próximo, o que acha que vai mudar na Produção de Energia Eólica?
JPL – Este concurso tem duas componentes que, no meu entender, fazem a diferença relativamente ao passado. O primeiro tem a ver com a introdução de um conjunto de conceitos, que vão permitir a integração harmoniosa da produção eólica na rede e que envolvem a gestão técnica do sistema. O segundo tem a ver com a criação de um cluster industrial que rode em torno dos equipamentos, dos sistemas que têm de ser desenvolvidos para essa produção eólica e que, naturalmente, não se pretende que sejam apenas para o caso português. Espera-se que daí resulte capacidade industrial para poder alimentar essa fileira em Portugal, mas sobretudo, para exportar. E há ainda nichos tecnológicos e de mercado onde é possível desenvolver essa estratégia industrial e criar com sucesso riqueza para os próximos anos para Portugal. As oportunidades existem, estão lá. Há coisas que ainda não estão feitas e temos agora a última oportunidade para as fazer.

BIP – E Portugal é um país que tem recursos eólicos para explorar?
JPL – Sim, temos ainda recursos primários para continuar a colocar em serviço mais torres eólicas. Estamos a apontar para cenários na ordem dos 5000 megawatts de produção eólica nos próximos anos, até 2010 ou 2013. Ainda será possível fazer mais, mas a determinada altura vamos chegar ao ponto de saturação e, nessa fase, teremos de ir para o mar, para o que se chama offshore. Até aqui temos estado a construir em onshore, mas no futuro teremos de montar torres eólicas em plataformas colocadas no mar. Isso exigirá um investimento muito superior, que está já a ser feito na Dinamarca, na Alemanha, no Mar do Norte... Em Portugal será muito mais complexo porque as profundidades oceânicas são superiores, mas não é impossível e vai acabar por ocorrer. Quanto à capacidade para alimentar o cluster industrial, também não tenho dúvidas de que conseguiremos. Temos capacidade técnica, temos competência, temos gente que é reconhecida internacionalmente como detentora do conhecimento, temos jovens cheios de vontade para trabalhar nesta área e somos capazes de os formar para alimentar as capacidades dessa indústria. Temos aqui uma grande oportunidade.

BIP – Quais são as grandes vantagens da energia eólica?
JPL – Em primeiro lugar, é uma energia renovável e, com o preço do barril de petróleo a 70 dólares... no caso da eólica, só pagamos o preço do vento (risos). Essa é a principal vantagem: vamos poder reduzir a nossa dependência energética para produzir electricidade. Se o preço do petróleo continuar a subir como tem vindo a acontecer, temos uma vantagem adicional porque podemos reduzir o custo da nossa factura de energia. Até aqui as coisas não foram assim porque, para promover o aparecimento da energia eólica, a remuneração da produção eólica tem sido superior àquela que as fontes convencionais têm. Por exemplo, em Espanha, há pouco tempo os preços do mercado andavam nos 30 e poucos euros por MWh e actualmente já se negoceia na pool a valores próximos os 100 euros por MWh. Tendo em conta que a remuneração da energia eólica em Portugal neste momento anda na ordem dos 73/74 euros por MWh, já se pode ver a diferença. Esta situação resulta ainda do facto de na Península Ibérica termos tido um ano de seca e não pudemos produzir energia de origem hidro-eléctrica, estivemos limitados quase à produção térmica.

BIP – E em termos ecológicos?
JPL – São evidentes as vantagens da energia eólica em termos ecológicos, embora haja ecologistas que estão contra a instalação das torres eólicas, devido ao impacto visual. Há ainda o impacto em termos de ruído e há um impacto na vida animal, como por exemplo, pássaros que ficam perturbados com o barulho das turbinas. Há ainda o impacto que resulta da construção. Quando se instalam as eólicas, a envolvente fica de alguma maneira perturbada porque há vegetação que vai ser pisada, há trabalhadores com camiões e gruas que fazem pó e perturbam o ecossistema. Mas é um preço a pagar. Acho que é preferível termos lá os aerogeradores que até são elegantes, correndo o risco de provocar alguma agressão ambiental, do que continuarmos a emitir CO2 para a atmosfera, com tudo aquilo que daí resulta. E até mesmo em termos económicos, acredito que curto e médio prazo vai ser interessante continuar a apostar nas energias renováveis.

BIP – Em relação ao INESC Porto, que mais-valias pode trazer esta nomeação para a instituição?
JPL – A parte boa é o prestígio, o reconhecimento de que nesta casa se desenvolveram competências que podem ser utilizadas com isenção e com conhecimento alargado para poder tratar esse assunto. Também estou convencido que a longo prazo iremos ter outras vantagens. Mais tarde, quando o Concurso estiver encerrado, podemos tirar outros dividendos e continuar o nosso trabalho nessa área, apoiando o desenvolvimento do cluster industrial. É para isso que nos temos vindo a preparar. Estas coisas aparecem depois de anos e anos de trabalho. Se olharmos para trás, vemos que o nosso investimento neste linha de investigação começou há 10 anos atrás.

BIP – Tem alguma consideração final a fazer?
JPL – Sim. Queria reforçar a ideia de que todas estas competências que temos e o sucesso que alcançámos não resultaram do trabalho de uma só pessoa, mas de toda uma equipa. Isso é sempre importante ser reconhecido. Pode haver uma locomotiva que puxa o comboio, mas não é a única, ou seja, há muita gente a trabalhar. Todos os que trabalharam cá nos últimos anos tiveram um papel fundamental para haver este reconhecimento e este sucesso. O entusiasmo, a dedicação, o esforço de todas essas pessoas fizeram a diferença.



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