João Peças Lopes, coordenador-adjunto da Unidade de Sistemas
de Energia (USE), foi recentemente nomeado pelo governo para
Presidente do Júri do Concurso Internacional para Atribuição
de 1500 MW de Produção Eólica em Portugal. O BIP quis saber por que foi
o investigador escolhido para tão prestigiante cargo e
perceber que grandes mudanças se avizinham.
BIP – Em que data se tornou Presidente do Júri?
João Peças Lopes (JPL) – Houve um despacho do Sr. Secretário
de Estado, de Julho deste ano, que nomeou todo o Júri. Isso
ocorreu ao mesmo tempo que foi publicado o Caderno de
Encargos e o Programa do Concurso Internacional.
BIP – Que factores considera que determinaram a sua
escolha para este cargo?
JPL – Acima de tudo, é preciso dizer que a USE esteve
envolvida na preparação do Caderno de Encargos e do Programa
do Concurso. Fomos contratados pela Direcção Geral de
Geologia e Energia, em conjunto com advogados, economistas e
outras entidades, como o INETI, para desenvolver esse
projecto. Depois disso, era normal que alguém desta equipa
estivesse envolvida no Júri. Admito que o trabalho que temos
vindo a desenvolver, e eu em particular na área da
Integração da Produção Eólica, com um elevado nível de
exposição pública, levou a que o Sr. Secretário de Estado e
o Sr. Ministro da Economia entendessem que era bom encontrar
uma pessoa que fosse isenta. Queriam encontrar uma pessoa
que tivesse prestígio e que fosse conhecedora do assunto
para a nomearem para um Concurso Internacional que pode
levar a um volume de investimento global, directo ou
indirecto, que pode ultrapassar os três mil milhões de euros. É
uma tarefa de uma grande responsabilidade.
BIP – Que tarefas vai desenvolver em concreto?
JPL –No Júri somos cinco pessoas. O Presidente do Júri
distribui trabalho pelas restantes quatro pessoas. É
assessorado por uma Comissão Técnica, que também foi
nomeada. Posso dizer que o Prof. Manuel Matos é um dos
elementos dessa Comissão. De Outubro até finais de Janeiro
de 2006, o Júri vai responder a perguntas e tirar dúvidas
aos concorrentes. As respostas que dermos terão de ser
públicas. A partir do dia 30 de Janeiro os concorrentes
entregarão os processos de candidatura. A seguir, teremos de
analisar todas as candidaturas com um conjunto de critérios
que foram previamente definidos no Programa de Concurso.
BIP – Vão escolher apenas uma candidatura ou mais?
JPL – De acordo com o Programa do Concurso, apenas serão
escolhidos dois vencedores. Ao primeiro vencedor é-lhe
atribuída a maior fatia e ao segundo uma fatia menor. A
ideia é promover alguma competição porque, caso contrário,
corríamos o risco de os vários interessados se juntarem numa
só candidatura. Para já estamos à espera de receber mais do que
dois consórcios concorrentes.
BIP – Num futuro próximo, o que acha que vai mudar na
Produção de Energia Eólica?
JPL – Este concurso tem duas componentes que, no meu
entender, fazem a diferença relativamente ao passado. O
primeiro tem a ver com a introdução de um conjunto de
conceitos, que vão permitir a integração harmoniosa da
produção eólica na rede e que envolvem a gestão técnica do
sistema. O segundo tem a ver com a criação de um cluster
industrial que rode em torno dos equipamentos, dos sistemas
que têm de ser desenvolvidos para essa produção eólica e
que, naturalmente, não se pretende que sejam apenas para o
caso português. Espera-se que daí resulte capacidade
industrial para poder alimentar essa fileira em Portugal,
mas sobretudo, para exportar. E há ainda nichos tecnológicos
e de mercado onde é possível desenvolver essa estratégia
industrial e criar com sucesso riqueza para os próximos anos
para Portugal. As oportunidades existem, estão lá. Há coisas
que ainda não estão feitas e temos agora a última
oportunidade para as fazer.
BIP – E Portugal é um país que tem recursos eólicos
para explorar?
JPL – Sim, temos ainda recursos primários para continuar a
colocar em serviço mais torres eólicas. Estamos a apontar
para cenários na ordem dos 5000 megawatts de produção eólica
nos próximos anos, até 2010 ou 2013. Ainda será possível
fazer mais, mas a determinada altura vamos chegar ao ponto
de saturação e, nessa fase, teremos de ir para o mar, para o
que se chama offshore. Até aqui temos estado a construir em
onshore, mas no futuro teremos de montar torres eólicas em
plataformas colocadas no mar. Isso exigirá um investimento
muito superior, que está já a ser feito na Dinamarca, na
Alemanha, no Mar do Norte... Em Portugal será muito mais
complexo porque as profundidades oceânicas são superiores,
mas não é impossível e vai acabar por ocorrer. Quanto à
capacidade para alimentar o cluster industrial, também não
tenho dúvidas de que conseguiremos. Temos capacidade
técnica, temos competência, temos gente que é reconhecida
internacionalmente como detentora do conhecimento, temos
jovens cheios de vontade para trabalhar nesta área e somos
capazes de os formar para alimentar as capacidades dessa
indústria. Temos aqui uma grande oportunidade.
BIP – Quais são as grandes vantagens da energia
eólica?
JPL – Em primeiro lugar, é uma energia renovável e, com o
preço do barril de petróleo a 70 dólares... no caso da
eólica, só pagamos o preço do vento (risos). Essa é a
principal vantagem: vamos poder reduzir a nossa dependência
energética para produzir electricidade. Se o preço do
petróleo continuar a subir como tem vindo a acontecer, temos
uma vantagem adicional porque podemos reduzir o custo da
nossa factura de energia. Até aqui as coisas não foram assim
porque, para promover o aparecimento da energia eólica, a
remuneração da produção eólica tem sido superior àquela que
as fontes convencionais têm. Por exemplo, em Espanha, há
pouco tempo os preços do mercado andavam nos 30 e poucos
euros por MWh e actualmente já se negoceia na pool a
valores próximos os 100
euros por MWh. Tendo em conta que a remuneração da
energia eólica em Portugal neste momento anda na ordem dos
73/74 euros por MWh, já se pode ver a diferença. Esta
situação resulta ainda do facto de na Península Ibérica
termos tido um ano de seca e não pudemos
produzir energia de origem hidro-eléctrica, estivemos
limitados quase à produção térmica.
BIP – E em termos ecológicos?
JPL – São evidentes as vantagens da energia eólica em termos
ecológicos, embora haja ecologistas que estão contra a
instalação das torres eólicas, devido ao impacto visual. Há
ainda o impacto em termos de ruído e há um impacto na vida
animal, como por exemplo, pássaros que ficam perturbados com
o barulho das turbinas. Há ainda o impacto que resulta da
construção. Quando se instalam as eólicas, a envolvente fica
de alguma maneira perturbada porque há vegetação que vai ser
pisada, há trabalhadores com camiões e gruas que fazem pó e
perturbam o ecossistema. Mas é um preço a pagar. Acho que é
preferível termos lá os aerogeradores que até são elegantes,
correndo o risco de provocar alguma agressão ambiental, do que continuarmos a emitir CO2 para a atmosfera,
com tudo aquilo que daí resulta. E até mesmo em termos
económicos, acredito que curto e médio prazo vai ser
interessante continuar a apostar nas energias renováveis.
BIP – Em relação ao INESC Porto, que mais-valias pode
trazer esta nomeação para a instituição?
JPL – A parte boa é o prestígio, o reconhecimento de que
nesta casa se desenvolveram competências que podem ser
utilizadas com isenção e com conhecimento alargado para
poder tratar esse assunto. Também estou convencido que a
longo prazo iremos ter outras vantagens. Mais tarde, quando
o Concurso estiver encerrado, podemos tirar outros
dividendos e continuar o nosso trabalho nessa área, apoiando
o desenvolvimento do cluster industrial. É para isso que nos
temos vindo a preparar. Estas coisas aparecem depois de anos
e anos de trabalho. Se olharmos para trás, vemos que o nosso
investimento neste linha de investigação começou há 10 anos atrás.
BIP – Tem alguma consideração final a fazer?
JPL – Sim. Queria reforçar a ideia de que todas estas
competências que temos e o sucesso que alcançámos não
resultaram do trabalho de uma só pessoa, mas de toda uma
equipa. Isso é sempre importante ser reconhecido. Pode haver
uma locomotiva que puxa o comboio, mas não é a única, ou
seja, há muita gente a trabalhar. Todos os que trabalharam
cá nos últimos anos tiveram um papel fundamental para haver
este reconhecimento e este sucesso. O entusiasmo, a
dedicação, o esforço de todas essas pessoas fizeram a
diferença.
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