Por João Ferreira*
Desta vez não pude recusar o convite da Sandra Pinto para
escrever no BIP, não só porque anteriormente eu deixara essa
possibilidade em aberto, mas mais ainda porque a Sandra me
merece uma especial consideração pelo empenho que põe no seu
trabalho, nem sempre correspondido em apoio institucional.
Entrei para o INESC Norte (Porto) no dia 3 de Fevereiro
de 1986, convidado pelo meu amigo, então meu professor
António Pereira Leite, inicialmente para trabalhar em tempo
parcial. Rapidamente se concluiu que eu não sabia trabalhar
nesse regime, pois passava os dias inteiros no INESC, pelo
que os chefes (Borges Gouveia, José Salcedo, Pereira Leite e
Pimenta Alves) acharam por bem que eu passasse a ser pago
pelo tempo inteiro.
Nessa época a actividade principal do INESC Porto era o
desenvolvimento de “hardware”, a electrónica digital rápida
funcionava a 100MHz em lógica ECL e usar computadores era
considerado um luxo. Os nossos clientes eram as
telecomunicações, então TLP. Estávamos instalados no
edifício da Livraria do Estado, na rua José Falcão, nos 4º e
6º pisos; ali não havia porteiro ou segurança e quem tinha a
responsabilidade das chaves era o Alberto Maia, actualmente
na FiberSensing. O Prof. Tribolet, mais conhecido por
“Tribas”, fazia-nos visitas surpresa, percorria os
laboratórios e perguntava: “O que é isso que estás a fazer?”
ou “Então como corre o trabalho?”
Com a adesão de Portugal ao CERN (Centre Européen pour la
Recherch Nucléaire) foi possível ao INESC Porto oferecer
estágios nessa instituição a alguns dos seus colaboradores,
entre os quais eu tive o privilégio de me encontrar e cujo
pioneiro foi o António Gaspar, actual coordenador da USIC.
Após a conclusão do projecto SIFO e esgotados os recursos
que daí vieram, o INESC Porto fez uma travessia do deserto e
o Grupo de Optoelectrónica sofreu particularmente, com a
ausência dos seus líderes iniciais, Pereira Leite e Salcedo
e com o Sílvio Abrantes a ser empurrado para a liderança de
uma área que não era a dele, mas que soube gerir com bom
senso. Sucedeu-se então o regresso do Salcedo, a época dos
Centros de Transferência de Tecnologia, início da viragem
para o mundo empresarial, mas ainda num formato protegido
que previa abundância de fundos do Estado ou da Comunidade
Europeia os quais duraram pouco.
A componente formativa do INESC era uma das promessas dos
seus responsáveis e uma expectativa dos mais novos. As
primeiras edições do Mestrado em Telecomunicações da FEUP
foram frequentadas por grande número de colaboradores do
INESC Porto, a maioria dos quais o completou com sucesso; no
meu caso quedei-me pela parte escolar.
Ao longo destes 20 anos, o INESC não promoveu só a
formação dos seus colaboradores, também transmitiu os
conhecimentos para o exterior. No início da década de 90
atingiu-se o pico da actividade de formação para o exterior,
com o FUNDETEC, mas a formação por medida destinada a
empresas ou grupos profissionais já existia antes e
continuará para o futuro. Não sendo o INESC uma instituição
de formação, penso que a formação especializada, é a que faz
mais sentido e resulta naturalmente da actividade de I&D.
Qualquer actividade lucrativa precisa de alguma motivação
extra, segundo Henry Ford “um negócio que só produz dinheiro
é um pobre negócio”.
A criação de empresas resultantes da actividade do INESC
Porto em domínios especializados é também um objectivo já
alcançado e uma consequência natural da actividade da
Instituição. Eu próprio estou agora embarcado nesse pequeno
bote que se chama FiberSensing o qual, remando certinho e
com bons timoneiros, havemos de transformar, talvez num
catamarã.
A matéria-prima de que se fez o INESC são os seus
colaboradores, pode depreender-se do que atrás foi dito e
tem sido reconhecido pelos seus dirigentes. Atravessamos,
porém tempos difíceis nos quais pode suceder como dizia
Einstein “É triste que sejamos forçados a tratar os seres
humanos como cavalos onde o que importa é que sejam capazes
de correr e puxar, sem olhar às suas qualidades como seres
humanos”. Faço votos para que a tradição do INESC consiga
contrariar as “tendências do mercado” neste domínio.
Em jeito de despedida quero testemunhar o que de melhor
levo do INESC. Houve bons momentos ligados a sucessos nos
projectos; conheci pessoas excelentes e fiz amigos; porém o
que me faz mais feliz são as marcas indeléveis na formação
das pessoas que eu vi passar pelo INESC e crescer
profissionalmente, que eu hoje admiro e me orgulho de ter
contribuído ainda que para uma ínfima parte dessa formação,
humana e profissional.
As recordações menos boas já eu as esqueci, ou então
processei e arquivei o resultado. Há, porém uma constatação
que continua a incomodar-me, a de que, por vezes até mesmo
essas pessoas excelentes, meus amigos que fazem o INESC
Porto, sejam incapazes de ultrapassar certas divergências de
opinião ou conflitos pessoais; são limitações da natureza
humana, havemos de crescer!
Bem hajam, por tudo o que me deram, tenham muitos
sucessos e até sempre.
PS: Se ainda houver espaço para algumas fotos,
desafio-vos a tentarem identificar esses rostos do INESC
Porto de há quase 20 anos.
O CONSULTOR DO LEITOR COMENTA
Amigo João Ferreira, o teu relato emociona
silenciosamente, de simples, directo e genuíno que é. Pouco
há a acrescentar, tu não vieste queixar-te, ou reclamar, ou
protestar. Vieste oferecer um testemunho, e esse recolhe-se
reverencialmente, não se questiona, absorve-se: é mais uma
lição de vida.
Que foste feliz na tua opção, ou te tornaste feliz, é
patente. Assim possam outros reconhecer-se no teu exemplo, e
nas tuas saudades.
E que mais lhes oferece o teu exemplo: o de que ainda
sonhas.
Tu não te retiras, não nos deixas, não abandonas o teu
posto por cansaço, fadiga, esgotamento, saturação. Não vais
para a reforma.
Vais sonhar de novo, nessa aventura empresarial da
FiberSensing. Diz lá se não te sentes, de repente, muito
mais novo?
* Colaborador da Unidade de
Optoelectrónica e Sistemas Electrónicos (UOSE)
Nota
da Redacção do BIP – O nosso amigo João Ferreira enviou-nos
um conjunto de fotos antigas que são uma autêntica relíquia.
Não as poderemos disponibilizar a todas nesta secção, mas
planeamos divulgá-las no próximo número do BIP, para regalo
dos colaboradores mais seniores. Ficarão igualmente
disponíveis no Arquivo Fotográfico da Intranet
<< Anterior
| Seguinte >>
|