A vida é feita de percepções do Universo. Como explicar a
cor à estrela do mar, que não tem olhos? Como explicar a
música a uma minhoca, que não tem ouvidos? Como explicar um
perfume a uma bactéria, que não tem olfacto?
Como dar profundidade de visão a quem foi afeiçoado a uma
forma de percepção do mundo limitada e superficial?
Os seres dotados, que vivem num mundo de limitados,
raramente ou nunca conseguem fazer-se plenamente compreender
por estes - porque a estes lhes faltam os órgãos e a razão
que lhes dêem percepção ou entendimento.
Assim, para os portugueses é vital o papel da educação. A
educação não é simplesmente saber mais, ver mais, aperceber
mais: é ascender na escala da complexidade do entendimento.
É como se tivéssemos órgãos atrofiados que só o exercício
continuado pode fazer desenvolver - e um desses órgãos é a
inteligência.
A dificuldade de reorganizar a educação por decreto é a
de que existem pessoas. Se fossem máquinas,
programa-las-íamos, obedeceriam com desvios apenas dentro da
margens de tolerância especificadas.
Mas são pessoas, têm interesses, emoções, medos e
percepções.
Às vezes, sejamos claros, falta-lhes o entendimento
suficiente. É, porém, difícil de explicar a quem está
(de)formado por paradigmas ideológicos que só um cego (uma
bactéria? uma estrela do mar?) não vê que deram como
resultado um profundo insucesso, que o fulcro central do
problema da educação em Portugal é a gestão e não a
pedagogia.
Hoje, mudar a educação é mudar a gestão. Há uma ciência
imensa e densa sobre as organizações e o planeamento da
produção, sobre a gestão de meios e recursos, planeamento
por objectivos, controlo de produto e processo, eu sei lá
(sei). Pouco poderemos dizer que foi aproveitado em favor de
uma organização e gestão eficiente do sector educativo.
No secundário, assistimos à resistência e às queixas
relativas à questão das aulas de substituição, e observamos
como, de facto, um certo acréscimo de infelicidade se
apoderou dos espíritos de muitos professores. Mas
questiona-se: é um mal do conceito, ou da incompetência da
gestão de muitas escolas, que não puderam ou souberam (ou
querem) reorganizar o seu próprio conceito de gestão para
satisfazer os requisitos que a sociedade, genericamente,
entende correctos?
Na universidade, verificamos como há uma disparidade
imensa entre escolas bem geridas e mal geridas, entre
instituições que visam servir os cidadãos e outras que ainda
mantêm a lógica de que os cidadãos é que as têm que servir.
Para quem quer exemplos, aqui vai: enquanto temos faculdades
onde se pode pagar propinas pela internet, consultar
horários, fazer inscrições, recolher os power points dos
professores pela internet, tirar dúvidas, compilar o
materiar pedagógico dado em cada aula, tudo pela internet,
noutras a vida arrasta-se laboriosamente pela vida sacra do
papel e das filas para os guichês das secretarias.
Outro exemplo: como é possível que haja uma escola onde
os alunos deficientes, deslocando-se em cadeiras de rodas,
não possam ir a qualquer bar porque o acesso é feito por
escadas? Ou, de forma mais indignada: como é possível que
nenhum de nós tenha reparado nisso, e dado uma solução? E
eis uma explicação: porque absorvemos, por osmose, a cultura
da resignação ao inevitável - quando não o é, depende apenas
de nós.
Servir os cidadãos é duas coisas: atendê-los nas
necessidades e facilitar-lhes a vida. O que não podemos é
sustentar mais a cultura antiquíssima da chantagem do Estado
que explicava aos cidadãos que "para teres um serviço tens
que penar e ainda ficar agradecido".
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