B o l e t i m Número 60 de Março 2006 - Ano VI

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E D I T O R I A L

 

VER CLARAMENTE VISTO

 

A vida é feita de percepções do Universo. Como explicar a cor à estrela do mar, que não tem olhos? Como explicar a música a uma minhoca, que não tem ouvidos? Como explicar um perfume a uma bactéria, que não tem olfacto?

Como dar profundidade de visão a quem foi afeiçoado a uma forma de percepção do mundo limitada e superficial?

Os seres dotados, que vivem num mundo de limitados, raramente ou nunca conseguem fazer-se plenamente compreender por estes - porque a estes lhes faltam os órgãos e a razão que lhes dêem percepção ou entendimento.

Assim, para os portugueses é vital o papel da educação. A educação não é simplesmente saber mais, ver mais, aperceber mais: é ascender na escala da complexidade do entendimento. É como se tivéssemos órgãos atrofiados que só o exercício continuado pode fazer desenvolver - e um desses órgãos é a inteligência.

A dificuldade de reorganizar a educação por decreto é a de que existem pessoas. Se fossem máquinas, programa-las-íamos, obedeceriam com desvios apenas dentro da margens de tolerância especificadas.

Mas são pessoas, têm interesses, emoções, medos e percepções.

Às vezes, sejamos claros, falta-lhes o entendimento suficiente. É, porém, difícil de explicar a quem está (de)formado por paradigmas ideológicos que só um cego (uma bactéria? uma estrela do mar?) não vê que deram como resultado um profundo insucesso, que o fulcro central do problema da educação em Portugal é a gestão e não a pedagogia.

Hoje, mudar a educação é mudar a gestão. Há uma ciência imensa e densa sobre as organizações e o planeamento da produção, sobre a gestão de meios e recursos, planeamento por objectivos, controlo de produto e processo, eu sei lá (sei). Pouco poderemos dizer que foi aproveitado em favor de uma organização e gestão eficiente do sector educativo.

No secundário, assistimos à resistência e às queixas relativas à questão das aulas de substituição, e observamos como, de facto, um certo acréscimo de infelicidade se apoderou dos espíritos de muitos professores. Mas questiona-se: é um mal do conceito, ou da incompetência da gestão de muitas escolas, que não puderam ou souberam (ou querem) reorganizar o seu próprio conceito de gestão para satisfazer os requisitos que a sociedade, genericamente, entende correctos?

Na universidade, verificamos como há uma disparidade imensa entre escolas bem geridas e mal geridas, entre instituições que visam servir os cidadãos e outras que ainda mantêm a lógica de que os cidadãos é que as têm que servir. Para quem quer exemplos, aqui vai: enquanto temos faculdades onde se pode pagar propinas pela internet, consultar horários, fazer inscrições, recolher os power points dos professores pela internet, tirar dúvidas, compilar o materiar pedagógico dado em cada aula, tudo pela internet, noutras a vida arrasta-se laboriosamente pela vida sacra do papel e das filas para os guichês das secretarias.

Outro exemplo: como é possível que haja uma escola onde os alunos deficientes, deslocando-se em cadeiras de rodas, não possam ir a qualquer bar porque o acesso é feito por escadas? Ou, de forma mais indignada: como é possível que nenhum de nós tenha reparado nisso, e dado uma solução? E eis uma explicação: porque absorvemos, por osmose, a cultura da resignação ao inevitável - quando não o é, depende apenas de nós.

Servir os cidadãos é duas coisas: atendê-los nas necessidades e facilitar-lhes a vida. O que não podemos é sustentar mais a cultura antiquíssima da chantagem do Estado que explicava aos cidadãos que "para teres um serviço tens que penar e ainda ficar agradecido".



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