O INESC Porto: ponte entre as Ciências e
Engenharia
Por Eduardo Lage *
O título acima foi sugerido pelos responsáveis desta
publicação e do convite para divagar. Agradecendo o convite,
tentarei mostrar que há muitas mais pontes que não o INESC
Porto e
que o INESC Porto é, ou poderia ser, um outro tipo de ponte.
Tenho de confessar que sou um fundamentalista - desde que
se sabe que tudo é feito de átomos e que a mecânica quântica
os descreve com precisão espantosa, a Física passou a ser a
Ciência fundamental, base de todas as outras (excepto a
Matemática). Não significa isto menor respeito pela Química,
Biologia, Astronomia, Metalurgia, etc. - significa, apenas,
que os praticantes destas ciências não podem ignorar o papel
essencial da Física na compreensão dos fenómenos que
estudam. Foi por este motivo que abandonei, a meio do
percurso, a Engenharia Electrotécnica e me licenciei em
Física.
Apesar do seu papel fundamental, a Física está a passar
um período muito difícil, não só em Portugal mas em todo o
mundo ocidental. Os cursos de Física desertificam-se, os
jovens fogem para estudos mais acessíveis ou conduzindo a
empregos melhor remunerados. Nos países mais avançados, esta
crise, pelos reflexos tecnológicos e económicos que produz,
induziu reacções de mais ampla divulgação da Física e suas
aplicações, determinando, inclusivamente, que 2005 fosse
declarado, pela UNESCO, Ano Internacional da Física. Mas
porquê tal crise? Genericamente, parece-me que ela resulta
de dois factos concorrenciais:
1º - As Sociedades mais evoluídas tecnologicamente
atingiram elevados níveis de bem estar onde a preocupação
maior é a ocupação do tempo livre e, portanto, a procura do
alto rendimento económico. Se tal for conseguido com o
mínimo de esforço (sobretudo, intelectual), tanto melhor -
para os jovens em início de carreira, ganhar dinheiro é uma
finalidade, tanto mais bem realizada quanto mais
precocemente conseguida. Ora, a Física demanda esforço,
requer conhecimentos matemáticos, exige dedicação e não
garante emprego - e, quando ele é obtido, não é bem
remunerado.
2º - A Física deixou de ser bem vista por uma Sociedade
que não a quer estudar, atribuindo-lhe muitos dos males da
globalização industrial. A mesma Sociedade que assiste
interessada a uma conferência sobre quarks ou quasares, foge
do esforço que uma maior compreensão exige e acusa-a pelos
desperdícios nucleares, o buraco no ozono, o aquecimento
global, as armas de destruição massiva.
Em Portugal, a situação é, ainda, mais dramática - os
Descobrimentos tornaram-nos comerciantes, o ouro do Brasil
ou os subsídios da CE libertam-nos do trabalho, a revolução
industrial passou ao lado, a importância da Ciência não
entra na nossa cultura. Dois séculos de Inquisição fazem-se,
ainda, sentir nos tiques de autoritarismo em quem deve
exercer autoridade e no medo de revelar pensamentos que
possam desagradar a superiores hierárquicos. A hipocrisia
está a tornar-se genética.
O português, mesmo licenciado, tem uma reacção típica
perante uma explicação física: “tudo isso é muito bonito,
mas para que serve?”. É uma questão interessante - diz mais
sobre quem a coloca do que sobre o objecto inquirido. O
nosso interlocutor ignora o caminho que vai da indução
electromagnética de Faraday à utilização quotidiana da
electricidade; do pêndulo de Foucault à navegação aérea ou
marítima; da fórmula de Planck aos painéis solares; da
emissão induzida de Einstein, passando pela invenção do
laser, à holografia e comunicações ópticas; do neutrão de
Chadwick às centrais nucleares ou à famigerada bomba; das
bandas electrónicas de Bloch aos semicondutores ou
transístores; dos feixes moleculares de Stern aos relógios
atómicos; dos momentos nucleares de Purcell ao NMR; da
anti-matéria de Dirac aos PET; etc., etc..
São inúmeros os
exemplos que se poderiam citar para exibir que a sucessão
natural dos acontecimentos começa na Física, passa na
Engenharia e termina na Indústria (sem fazer futurologia,
assista-se, para breve, às aplicações dos ‘quantum dots, da
criptografia quântica, das nanotecnologias; e, a mais longo
prazo, dos computadores quânticos, dos condensados de
Bose-Einstein, dos supercondutores de altas temperaturas ou
da fusão nuclear). Mas a fecundação é recíproca - grandes
empreendimentos de Física pura (como o CERN, o FermiLab, o
laboratório Laue-Langevin, a NASA ou o ESO) exigem uma
Engenharia de ponta e, por isso mesmo, geradora de novas
tecnologias e produtos. Problemas industriais com polímeros
conduziram ao Nobel a P. de Gennes. E a simples
sincronização de relógios para uso em GPS requer correcções
da relatividade geral!
Portugal tem atrasos seculares - é mais fácil importar
tecnologia (sobretudo, em tempos de dinheiro fácil) do que
inventa-la; e quem não inventa, não precisa de conhecimentos
básicos, relegando a Física para a gaveta das curiosidades.
Por isso, são tantos os gestores, mesmo com cursos
tecnológicos - parece ser essa a vocação escondida:
organizar sem ter sujado as mãos, mandar fazer sem nunca ter
feito, dar ordens sem nunca ter obedecido. Mal que afecta
tanto o serviço público como o privado, doença cultural de
uma Sociedade atrasada que vende a sua independência por uns
cêntimos esmolados, mas que dão para comprar o último BMW,
encher a casa com DVD’s e Hi-Fi’s, jogar numa consola da
Sony, voar para férias num Airbus.
E é aqui que o INESC Porto (e outras instituições similares)
pode ter um papel decisivo na lenta mudança de mentalidades
- fazer obra sólida e séria. Estude-se o que na Física se
vai descobrindo, converta-se em projecto de Engenharia,
crie-se o embrião de nova tecnologia. Trabalho de
laboratórios e gabinetes, longe de holofotes mediáticos,
persistindo até à compreensão, compreendendo até à execução
e executando até à conclusão final. Pelo caminho, errando e
tentando de novo, até à descoberta do erro, aprendendo
sempre. Uma ponte para as futuras gerações.
* Professor catedrático e
presidente do Departamento de Física da Faculdade de
Ciências da Universidade do Porto