Até ao final de 2005, a secção Especial do BIP será
dedicada à comemoração dos 20 anos do INESC no Porto.
No oitavo “capítulo”, o BIP entrevistou Vladimiro
Miranda, director do INESC Porto, que teve um papel
preponderante no período que antecedeu a criação da Unidade
de Sistemas de Energia (USE) e Manuel Matos, coordenador da
Unidade desde a sua criação.
Criada
em 1996, actualmente a Unidade de Sistemas de Energia exerce
a sua actividade em áreas emergentes essenciais para o
sector eléctrico: regulação e mercados de electricidade,
integração de produtores independentes dispersos
(nomeadamente energia eólica e outras renováveis), gestão
técnica e económica de sistemas de distribuição, uso de SIG
e outras TI no planeamento energético regional, tratamento
da incerteza e risco.
Os primeiros passos da Unidade de Energia começaram há 20
anos e marcaram o início da actividade do INESC na cidade
Invicta. Vladimiro Miranda era, então, responsável pela área
SIAD - Sistemas de Informação e Apoio à Decisão, na qual
estava “dissimulada” a Energia.
BIP- Quando começaram as actividades da área de
Energia?
Vladimiro Miranda - As primeiras actividades
começaram logo no início da acção do INESC no Porto, ainda
na rua José Falcão, mas não existia grupo autónomo. Logo
depois foi-me atribuída a responsabilidade sobre uma área
designada SIAD - Sistemas de Informação e Apoio à Decisão,
onde foi "escondida" a Energia, porque se considerava na
época que não seria boa estratégia colocar visível essa
etiqueta quando o associado de referência do INESC era a
Portugal Telecom - creio que as sensibilidades eram ainda
muito epidérmicas, nos anos 80 e, talvez, também não
houvesse uma percepção completa do que seria o âmbito de
actuação de um grupo de energia no INESC.
BIP – Em que edifício funcionava nessa altura?
VM - Na ocasião da criação do SIAD mudámos para o
prédio do Largo de Mompilher, que muita gente continua a
dizer "mompèlié" e não há meio de fixar que rima com colher.
O grupo SIAD era grande e subdividia-se em duas áreas, os
sistemas de informação (que deram origem ao grande projecto
Autarquias) e os sistemas de energia. Ocasionou-se aí a
oportunidade de formar um pequeno grupo que se autonomizou,
designado FAAD - Ferramentas de Análise e Apoio à Decisão, com o Manuel Matos como responsável, mas que
na essência continuou a operar articulado com o SIAD, a
ponto de o Manuel Matos ter conduzido para o SIAD fases do
primeiro importante projecto com a EDP.
BIP
- Quem fazia parte da equipa e quem a liderava?
Manuel Matos - A USE resultou da fusão de dois
grupos existentes, um maior, liderado por Vladimiro Miranda
(que nessa época estava de saída para Macau, pelo que Peças
Lopes já ia sendo, na prática, o responsável) e outro menor,
liderado por mim. Na altura, propusemos que a Unidade
ficasse com uma liderança conjunta, mas a Direcção insistiu
que houvesse um coordenador, e fiquei eu, com o Peças Lopes
como coordenador-adjunto. Para além de nós os dois, os
actuais universitários já faziam parte (acho que o Jorge
Pereira e o Cláudio Monteiro eram na altura bolseiros) e
havia diversos bolseiros que depois seguiram o seu caminho.
Seriam, no total, cerca de 20 pessoas.
VM - A estrutura da época agrupava o SIAD, o FAAD
e o grupo do arquivo óptico, do Agostinho Andrade e do
Adelino Lagoa, num
super-grupo designado SI - Sistemas de Informação, que eu
representava. Como responsável, pude ainda "capturar" para a
área da energia o Peças Lopes, que tinha inicialmente
aderido ao INESC numa via ligada a energia em edifícios que,
felizmente, trocou por uma excelente carreira nos temas em
que hoje é reconhecidamente especialista. Outro doutorado
histórico é o Pereira da Silva, sem esquecer o Borges
Gouveia que, todavia, se afastou para cuidar de outra área
no INESC, a da automação industrial.
BIP
- Quais foram os primeiros projectos na área de Energia e na
USE?
VM - Os primeiros projectos, que nos deram
confiança para o futuro, foram o GRADES+EXPLORE, para a EDP
(DODN) que, no seu tempo, teve um impacto considerável na
modernização dos instrumentos de trabalho da EDP
distribuição e um software de cálculo de curto circuitos
para a ABB portuguesa. Para esses projectos foi-se alargando
a equipa de colaboradores, de estagiários a bolseiros,
crescendo o SIAD/energia em recursos e orçamento.
O outro grande projecto estrutural refere-se ao
apetrechamento em recursos humanos qualificados, onde desejo
mencionar o esforço na produção de doutorados, com relevo
para o próprio Manuel Matos, mas também de outros históricos
como o Tomé Saraiva ou o Nuno Fidalgo, e ainda do Luís
Miguel Proença. Espero não estar a esquecer ninguém! Com
esta política, consolidámos uma massa crítica essencial para
os desafios seguintes.
MM - Os grupos que formaram a Unidade tinham
projectos em curso, que continuaram, como o Solargis
(projecto europeu que lançou as bases da nossa área de GIS),
o projecto de Lemnos (projecto europeu na área do controlo
de sistemas isolados com grande penetração eólica) ou o MDC
- Módulo de Diagramas de Carga (contrato com a EDP para
estimação de diagramas de carga). Já no âmbito da Unidade,
salientaria o início da nossa parceria com a EFACEC, através
do projecto DMS (Distribution Management System), o projecto
europeu CARE, o projecto MEAPA no Brasil (mapeamento de
recursos renováveis através de GIS) e o início de trabalhos
de consultoria para a ERSE (então Entidade Reguladora do
Sistema Eléctrico).
BIP - Que grandes momentos marcaram a história da USE?
VM - Recordo os momentos marcantes: o êxito do
projecto GRADES+EXPLOR (passados 10 anos era ainda
ferramenta de referência na EDP distribuição); o primeiro
projecto europeu, sob o comando do Peças Lopes, num trabalho
com aplicação na Grécia; o lançamento das conferências ELAB
- Encontro luso-Afro-Brasileiro para a Energia, com a
projecção conseguida no espaço lusófono e que tiveram um
simbolismo político relevante na época; o êxito na
aproximação ao grupo EFACEC, que viria a culminar, já
durante o período em que a USE estava formalmente
constituída, numa ligação exemplar de cooperação
universidade/indústria (o mérito desse êxito corresponde aos
gestores seguintes da USE mas recordo com satisfação o tempo
em que, antes de seguir para a minha missão de criação do
INESC-Macau, lancei as bases dessa cooperação e das suas
primeiras acções); a internacionalização da imagem do INESC
na comunidade internacional dos sistemas de energia, com a
conquista de lugares nas Transactions do IEEE e no PSCC.
MM - O início foi muito importante, porque o ganho
de dimensão permitiu assumir uma atitude mais profissional e
aceitar desafios mais exigentes. Aqui também há que referir
a importância da reestruturação do INESC Porto nessa época,
onde a criação de unidades com uma filosofia diferente dos
pequenos grupos anteriores, reunindo com a Direcção
quinzenalmente, alterou a atitude de toda a gente. Outro
momento importante está associado às primeiras instalações
internacionais do DMS da EFACEC (com os nossos módulos).
Finalmente, salientaria o momento difuso em que confirmámos,
através do apoio à ERSE e de muitas solicitações de
consultoria, que tínhamos adquirido um estatuto de grupo
incontornável em Portugal nas áreas a que nos dedicamos.
BIP
- Quais foram as maiores dificuldades por que a Unidade
passou?
VM - As maiores dificuldades, no tempo em que fui
responsável, corresponderam apenas a crises de crescimento,
por falta de recursos humanos qualificados em todas as áreas
em que queríamos estar presentes. As relações com a DINESC
foram sempre excelentes e as contas equilibradas.
MM - Muitas e nenhuma em especial.
BIP - Em que áreas houve uma aposta relevante?
MM - Não apostamos, investimos. Continuamos na
área das renováveis, nos sistemas de gestão de redes (DMS e
EMS), na regulação e mercados de energia, no planeamento,
nas aplicações de GIS e, mais recentemente, na micro-geração
e micro-redes. Tudo isto suportado em análise estática e
dinâmica de redes, optimização clássica e emergente, apoio
multicritério à decisão, modelos difusos, análise de
fiabilidade e inteligência computacional.
VM - A aposta relevante nos primeiros anos de
actividade correspondeu a uma percepção da evolução do
mercado e dos sistemas. Por isso, ao contrário de outros
grupos, investiu-se fortemente nos sistemas de distribuição,
cobrindo desde os temas dos DMS - Distribution Management
Systems até à geração dispersa e renovável, com passagem
pelos sistemas de informação geográfica. Essa política de
coordenação de esforços frutificou plenamente, como é
sabido, com impactos tanto científicos como industriais.
BIP
- Que balanço faz destes últimos 20 anos? Tem valido a pena?
MM – Em termos da USE, o balanço dos quase 10 anos
que levamos é muito bom. Em termos pessoais, acho que dei a
minha canelada no Adamastor, e isso, deixa-me satisfeito.
VM - Tem sido permanentemente aliciante.
BIP - Como vê o futuro da USE?
VM - O futuro da USE está em boas mãos. O futuro
da área da energia poderá passar por uma outra ambição, de
alargamento do âmbito de actuação e de competência
científica e técnica. A actividade internacional da USE é já
relevante e a sua carteira de projectos e contratos de
prestação directa de serviços é excepcional. A base nos
próximos saltos qualitativos existe.
Precisamos
agora de converter o INESC Porto numa entidade
incontornável, a nível internacional, no que respeita à
ciência e técnica nos sistemas de energia, de forma a
consolidar uma percepção de sermos um centro de excelência
mundial. Isso gerará uma capacidade de atracção de novos
recursos, tanto de bolseiros como, especialmente, de
doutorados de reconhecido mérito cuja passagem pelo INESC
Porto beneficiará a imagem da Universidade do Porto,
naturalmente.
Vejo, pois, o futuro, não na USE, mas num projecto de
maior fôlego ainda, de grande ciência mundial e profunda
competência em consultoria internacional.
MM - Apesar da nossa situação ser boa neste
momento em todos os sentidos, o futuro depende demasiado de
factores externos para poder fazer previsões.
Portanto, o futuro da USE será, na minha opinião,
continuar na linha que tem seguido, rentabilizar e
acrescentar a sua actual boa imagem externa, mas com muita
preocupação de antecipar as mudanças no sector energético e
fazer o trabalho científico de casa para na altura poder
actuar operacionalmente.
Na verdade, a maior preocupação que eu e o Peças Lopes
temos é a de não vermos ninguém a querer o nosso lugar.
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