Por Ricardo Madureira*
Um mês depois de iniciar funções como Investigador Sénior
na área de redes empresariais da UESP, acedi a um convite da
redacção do BIP para testemunhar as minhas primeiras
impressões sobre o INESC Porto. Gostaria, contudo, de fazer
uma ressalva em relação às linhas que se seguem: é para mim
difícil dissociar o meu “ingresso” no INESC Porto do meu
“regresso” ao Porto. Ou seja, vivi os últimos nove anos na
Finlândia, com a excepção de um ano no Brasil, e se durante
esse período nunca fiquei mais de três meses sem vir o
Porto, também é verdade que essas visitas não se comparam à
vivência diária nesta cidade. É natural, portanto, que as
minhas primeiras impressões sobre o INESC Porto reflictam um
pouco da emoção de regressar ao meu dia-a-dia na cidade
invicta.
Curiosamente, o meu primeiro contacto com o INESC Porto
foi na Alemanha, em 1999. Na altura, acumulava as funções de
sócio-gerente de uma empresa de tecnologias de informação
finlandesa, com o doutoramento em gestão também na
Finlândia. Apesar disso, foi do Porto que viajei até Aachen
para conhecer os parceiros internacionais da nossa empresa
num projecto europeu de investigação. Um dos parceiros era
precisamente o INESC Porto, na altura representado pelo Eng.
José Carlos Caldeira. Foi tal a curiosidade (e ironia de
conhecer o INESC no estrangeiro) que decidi visitar as
instalações na Rua José Falcão, ainda em 1999. O que não
imaginava na altura, é que os nossos caminhos se voltariam a
cruzar em 2005.
Mas assim foi e em Abril deste ano contactei o Eng. Luís
Carneiro a propósito da contratação de investigadores
doutorados no âmbito do Laboratório Associado. Recebi mais
informações sobre a UESP e em Agosto visitei as instalações
actuais do INESC Porto. Nessa primeira visita fiquei
impressionado com a modernidade das instalações,
garantidamente world class. Não só pelo misto de gabinetes e
espaço aberto, mas também pelo ambiente silencioso, tão
típico nos centros de investigação nórdicos. A partir de 5
de Setembro, passei a “visitar” o INESC Porto todos os dias
e é sobre essas impressões mais recentes que me debruço no
que resta deste testemunho.
Volvidas cinco semanas desde o meu primeiro dia na UESP,
a impressão que tenho do INESC Porto é a de uma instituição
saudável e construtiva. Um “espaço” onde circulam ideias que
todos esperamos se convertam em inovação ao serviço do
tecido económico e social. Um actor activo no contexto da
sociedade de informação que se pretende traduzida em
economias de conhecimento e em pessoas e organizações
vitaliciamente aprendizes. Contudo, quando as primeiras
impressões são francamente positivas surgem naturalmente
outras questões. Em particular, se o reconhecido sucesso do
INESC Porto em anos recentes será sustentável no futuro. A
minha opinião a este respeito é, no entanto, igualmente
positiva porque me parece que o INESC Porto consegue
conciliar especialização e diversidade. Especialização para
que se diferencie na aplicação das suas competências e
diversidade para que actualize essas competências.
Como o próprio nome indica, o INESC Porto é especializado
em engenharia de sistemas e computadores, estando
inclusivamente organizado por áreas de aplicação dessas
competências. Contudo, o que mais me surpreendeu nestas
primeiras semanas foi a diversidade que se pode observar no
seu seio. A meu ver, diversidade teórica, disciplinar,
humana, espacial e temporal.
A diversidade teórica tem a ver com o facto de haver uma
preocupação com investigação fundamental, mas também
aplicada. Ou seja, de se pretender conciliar as “teorias”
dos mundos académico e empresarial. A diversidade
disciplinar, por seu turno, tem a ver com a formação de
equipas multi-disciplinares atendendo à necessidade
crescente de integração dos aspectos sócio-económicos e
tecnológicos das tecnologias de informação e comunicação. A
estes dois tipos de diversidade acresce a diversidade
humana, consubstanciada, por exemplo, na colaboração
sénior-junior entre docentes do ensino superior e bolseiros.
Por outro lado, poder-se-á falar de diversidade espacial
sempre que o INESC Porto se assume como um actor local,
regional, nacional e internacional. Finalmente, a
diversidade temporal consiste no alinhamento entre a
estratégia de longo prazo do INESC Porto e as suas metas
científico-financeiras de curto e médio prazo.
Apesar deste elogio à simultânea especialização e
diversidade do INESC Porto, arrisco-me a afirmar que a
verdadeira “jóia da coroa” desta instituição é o ambiente
entre os seus colaboradores. Informal no trato e na
aparência, mas construtivo e exigente nos argumentos. Por
outras palavras, o que tenho testemunhado no dia-a-dia desta
instituição é a discussão de ideias e não de pessoas. E
quando assim é, elevam-se os espíritos e ultrapassam-se os
limites. Que assim continue o INESC Porto. Um espaço onde os
desafios de hoje se transformam nas realizações do amanhã.
O CONSULTOR DO LEITOR COMENTA
Caro Ricardo Madureira, um elogio sabe sempre bem e
quando vem de uma pessoa qualificada é mais precioso ainda.
A tua opinião é valiosa porque é ainda, praticamente, a
opinião de alguém exterior ao sistema, ainda não
comprometido, goza portanto de traços de independência de
análise.
Os teus comentários são tão claros que o que se pudesse
dizer talvez diluísse o significado das mensagens que
veicula. Porém, gostaria de reter um ou dois pontos para
maior reflexão.
O primeiro tem a ver com a tua percepção de que no INESC
Porto se discutem “ideias e não pessoas”. Isso é um traço
cultural profundo e talvez seja um dos factores do sucesso
da instituição. Importa compreender como é que ele aparece,
quais os factores que o potenciaram, por oposição a outros
ambientes maledicentes, com vícios de inveja permanente, que
tão bem conhecemos em Portugal.
Por isso, no INESC Porto há ênfase no reconhecimento e
recompensa do mérito, na competência, no rigor, na
qualidade, na excelência científica e técnica, no
profissionalismo da atitude e da resposta ao exterior, no
trabalho colaborativo e no apoio mútuo e há um apagamento da
noção de carreirismo (tão típica, por exemplo, da função
pública), que reorienta os objectivos de vida individuais
para alvos não produtivos e origina atitudes questionáveis.
Essa cultura institucional tem que ser protegida e
amplificada. Na sua sustentação está o segredo da boa gestão
de uma instituição de interface. Que não compreende que um
instituto como o INESC Porto pode criar uma cultura e uma
atitude diferente da academia clássica, e que isso abre
outros horizontes de actuação e intervenção à própria
universidade, ainda não aprendeu nada do que é preciso para
construir em Portugal uma sociedade tecnológica.
Cumpre-nos estudar o próprio INESC Porto. Se
compreendermos os mecanismos do nosso êxito, poderemos
sustentá-lo em actos de gestão continuadamente lúcidos e
poderemos melhor explicá-los ao ambiente universitário que
nos integra, onde sobrevivem reacções ainda desconfiadas ou
menos favoráveis, ou mesmo de receio. Mas poderemos também
adoptar uma linguagem mais clara face às empresas e à
administração pública, diferenciadora na forma sem divergir
do objectivo social da universidade, e geradora de maior
confiança.
O outro ponto que me importa comentar é a tua observação
da diversidade como forma de robustez. Essa diversidade está
organizada, não é uma aglomeração caótica. A maior virtude
dessa estruturação está em fazer-se por áreas de aplicação,
e não por áreas científicas. Detectaste equipas
multidisciplinares e esse é o principal traço que nos
distingue de uma organização académica clássica, que se
arruma por áreas de especialidade científica. Porém, isto
não compromete o objectivo de, cada vez mais, dotar o INESC
Porto de ciência fundamental, sem a qual o objectivo de
excelência ficará comprometido.
Os ganhos de diversidade exigem, presentemente, a
aquisição de uma verdadeira dimensão internacional, não
apenas em projectos efectuados mas também nos recursos
humanos, na implantação geográfica e nos centros de decisão
influenciados. O INESC Porto não pode continuar a ser um
instituto regional com contactos internacionais. Tem que ser
um instituto internacional que beneficia a sua região e o
seu país por isso. Temos que conseguir isso com mais
diversidade: ampliando as áreas e formas de actuação,
ampliando o âmbito geográfico de implantação e ampliando os
processos de transferência de tecnologia, sem tabus.
E tudo isto, sem corromper o bem precioso que é a nossa
cultura institucional.
* Colaborador da Unidade de Engenharia
de Sistemas de Produção (UESP)
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