Pedro Guedes de Oliveira foi presidente do INESC Porto
desde a sua formação, em 1998, até à actualidade. Em pleno
mês da comemoração dos 20 anos do INESC no Porto, o
professor anunciou a sua saída e a passagem do testemunho a
José Manuel Mendonça. "Quando as instituições são dirigidas
por quem teve responsabilidades desde a sua criação, correm
o risco de ficarem como que coladas à pele", justifica. "Empenho, determinação, extraordinário desempenho, grande
saber, excepcional qualidade, tenacidade, capacidade de
liderança, firmeza de decisão, grande coragem e dedicação
inexcedível" são apenas algumas palavras usadas por quem
trabalhou e conviveu com Pedro Guedes de Oliveira ao longo
destes anos.
BIP
- Que INESC encontrou no Porto quando iniciou a liderança?
Pedro Guedes de Oliveira - Muito dividido em pequenos grupos
que reportavam directamente à direcção e aos serviços (os
dois dias de controlo orçamental, trimestral, eram um
espectáculo...). Os serviços eram, em geral, meras antenas
do que havia em Lisboa, com capacidade muito incipiente. O
típico formato de uma instituição muito centralizada que não
apostava, fora do núcleo central, na qualificação dos
serviços e das pessoas. Contudo, o INESC tinha ainda a
“alma” notável que a primeira geração de colaboradores e
dirigentes tinha trazido para a instituição, nomeadamente o
Salcedo, o Borges Gouveia e o Pimenta Alves, numa primeira
fase, a que se juntou, depois, o Mário Jorge Leitão.
BIP
- Quais foram as maiores dificuldades com que se deparou na
altura?
PGO - Perceber uma estratégia que, em minha opinião,
depois da fase heróica e notável do SIFO e de outros
projectos iniciais, tinha deixado de ser clara.
BIP - Que visão tinha na época do futuro do INESC no
Porto?
PGO - A da necessidade absoluta de afirmação de uma
identidade e capacidade autónomas, nunca regionalista (ainda
é essa a minha visão: temos de ser uma instituição nacional,
sediada no Porto), mas com competências e capacidades
próprias e fortes.
BIP
- Quando olha para o início da sua liderança, do que sente
mais saudades? E menos?
PGO - Não sou do género de sentir saudades. As coisas
acontecem, fazem-se, e parte-se para outra. Acho que grande
parte do gozo da vida vem do combate mais do que do
resultado, quando o combate vale a pena. Há coisas em que
acredito muito fortemente (tenho, ainda hoje, uma visão
muito “ideologizada” do mundo) e por essas continuo a
bater-me com toda a energia de que sou capaz.
BIP
- Como recorda a crise do INESC e a posterior negociação
para a existência de um pólo autónomo no Porto?
PGO - Essa foi uma parte muito difícil. Em primeiro lugar
porque tive de me bater contra (literalmente contra) uma
data de pessoas que eram companheiros e amigos. A
centralização leva a visões muito distorcidas da realidade.
Lembro-me de que houve uma Assembleia Geral do INESC (soube
através de relatos porque, por coincidência, eu estava fora
e não participei nessa reunião), dramática, em que foi
afirmado, perante as dificuldades do INESC, que a solução
era fácil: acabava-se com o pólo do Porto porque ele era o
responsável por todo o “buraco”. Tirados os exageros que o
calor da discussão gera, eu acho que as pessoas acreditavam
mesmo nisso. Não percebiam que só se consegue funcionar bem
com autonomia e responsabilidade e que isso tem de acontecer
próximo, fisicamente próximo das pessoas.
Depois houve visões muito diferentes do papel
institucional do INESC, do papel dos dirigentes na
instituição, do envolvimento pessoal que, na minha leitura,
levava a conflitos de interesses difíceis de dirimir. Houve
muitas vezes em que nós, os daqui de cima, estivemos
sozinhos, em que tivemos de tomar decisões que podiam ter
enormes consequências. A consciência dessa responsabilidade
é, por vezes, pesada.
Tomar
a decisão, nesta situação, de avançar sozinhos, foi um risco
considerável e que só foi possível por um conjunto de
circunstâncias: em primeiro lugar pela solidariedade total
entre os membros da direcção aqui sediados, nomeadamente o
Luciano Tavares, o Artur e eu; depois, porque sempre existiu
uma grande confiança nossa nas pessoas que constituíam o
INESC Porto e na sua capacidade, profissionalismo, dedicação
e seriedade.
E, finalmente, no suporte e enorme lealdade com que
sempre pudemos contar, eu diria que praticamente de toda a
gente. Foi, como disse, uma aposta arriscada, mas acho que
avaliámos correctamente as forças e as capacidades; e acho
também que, felizmente, tivemos imensa sorte.
BIP
- Muitos consideram que uma das grandes marcas do Professor
é a luta pela transparência na gestão e nas contas do INESC
Porto. Como conseguiu que o INESC no Porto passasse de ter
um prejuízo de milhões até ao limite oposto de pagar agora
IRC?
PGO - Quanto à primeira parte, acho que isso é apenas a
nossa estrita obrigação. Estamos mandatados para gerir uma
coisa quase pública e, portanto, mais do que em qualquer
outra circunstância, a correcção e transparência dos
processos não é, sequer, questionável. Não acho que isso
seja a “minha” marca, acho que é a “nossa” cultura.
Quanto à passagem do prejuízo ao equilíbrio até um pouco
excedentário, deve-se, em primeiro lugar ao facto de o
prejuízo ser mais um erro de cálculo do que uma realidade
(pelo menos na sua dimensão aparente); mas também é verdade
que as pessoas operam milagres quando acreditam naquilo que
fazem, quando há uma efectiva autonomia, quando tomam parte
nas decisões e nelas se revêem, quando lhes é dada uma
efectiva responsabilidade e existe “accountability”. E,
claro, como disse acima, quando se tem a sorte do nosso lado
- e isso temo-la tido.
BIP
- Quando sentiu mais dificuldades em "aguentar o barco"?
PGO - Com a crise do POSI, com enormes dificuldades de
tesouraria que tive de compartilhar com todos e que todos
foram inexcedíveis na compreensão que nos deram para
resolvermos os problemas. Foi do mais difícil mas também do
mais gratificante, porque o modo como as pessoas reagiram
foi, para nós, uma indiscutível forma de nos mostrarem que
confiavam em nós e no que nós lhes dizíamos.
BIP - Quais são os melhores momentos que leva na
memória destes anos de liderança?
PGO - Quase todos. Tenho, efectivamente, um grande gozo no
que faço e embora corra o risco de uma imodéstia pouco
conveniente, tenho um enorme orgulho nesta obra colectiva
que temos construído e na qual sinto que comparticipei com o
meu quinhão.
BIP - O que o levou a deixar o cargo de presidente?
PGO - A consciência de que as instituições têm de ser mais
do que as pessoas e, quando são dirigidas por quem teve
responsabilidades desde a sua criação (aqui refiro-me
estritamente ao INESC Porto) correm o risco de ficarem como
que coladas à pele.
Mas,
para poder sair tranquilo, foram necessárias algumas
condições que, em minha opinião, se verificaram agora: a
instituição tem de estar equilibrada, tem de ter, nas suas
várias dimensões (científica, económica, etc.) uma situação
suficientemente folgada para que, quem vem de novo, tenha
espaço e tempo de operar as suas próprias modificações, de
imprimir a sua própria marca. Depois, tem de haver as
pessoas adequadas, com capacidade e vontade para assumir as
responsabilidades.
E, já agora, eu tenho de o poder fazer num momento em que
ainda tenha o discernimento para o entender e, ao mesmo
tempo, a vontade e energia para começar outras aventuras
(que, já disse e repito, não sei ainda quais serão!)
Tendo
tudo isto em mente, com alguma antecedência fui comunicar ao
Reitor, ao Tribolet e ao Carlos Costa que não tinha vontade
de me recandidatar à direcção. Discutimos os vários cenários
possíveis para a Presidência e foi assim que, tendo em conta
um conjunto de considerações que os associados deram a
conhecer no documento que o Artur leu, tomaram, com o meu
total apoio, a decisão de convidar o José Manuel Mendonça.
BIP - Em que medida a sua experiência no INESC Porto
enriqueceu o Pedro Guedes de Oliveira como pessoa?
PGO - Se me enriqueceu, de facto, não me competirá a mim
dizer. Que me deu inúmeras oportunidades para enriquecer, é
inquestionável.
BIP
- Que futuro antevê para o INESC Porto?
PGO - Vejo, sinceramente, bem. Com a nova equipa directiva,
estou certo de que terá um futuro em que muito contribuirá
quer para a Universidade quer para o fortalecimento do
tecido económico, nas áreas da sua influência. Não quero dar
a entender que a missão seja trivial: definitivamente não é!
Não acredito que venhamos a ter uma situação
confortavelmente equilibrada em que seja deixar rolar - mas
isso acho que nem nenhum de nós quereria.
O INESC Porto será sempre marginalmente estável ou, se se
quiser, a viver sempre num “limit cycle” capaz de, por
qualquer perturbação, entrar numa trajectória caótica e,
consequentemente, exigirá sempre um permanente controlo,
atenção, esforço e imaginação.
BIP
- Para terminar, quer deixar mais alguma nota?
PGO - Sim. Só falei, em termos das pessoas, dos fundadores a
nível de direcção - cujo trabalho acompanhei ainda de longe,
a partir de Aveiro - do Luciano Tavares que, não sendo “de
dentro”, não posso esquecer pelo contributo que nos deu, e
do Mendonça que vai liderar o futuro.
Não posso falar de todos os que eu acho que foram
importantes, porque são tantos que constituiriam uma lista
que até poderia (erradamente) ser considerada pouco
credível. Mas se olharem à volta, com olhos de ver,
encontrarão, em todos os escalões de responsabilidades, nas
chamadas unidades produtivas como nos serviços de apoio, nos
contratados como nos universitários e nos bolseiros, nas
chefias de primeira e segunda linha, nos novos elementos
que, em boa hora, chamámos à direcção e, finalmente, em
alguns outros que já nem sequer cá estão, contributos
extremamente relevantes, uma mesma cultura e, em geral, um
mesmo entusiasmo.
Um olhar sobre Pedro Guedes de Oliveira
"Ao Professor, ao Investigador, ao Dirigente e ao Homem,
aqui fica a minha modesta mas sentida homenagem e a
expectativa de novos êxitos a concretizar desde já."
José Novais Barbosa, Reitor da
Universidade do Porto
|
"...uma pessoa que demonstra conhecimento
global e maturação dos assuntos, certamente fruto de
trabalho prévio apoiado na sua experiência, já longa...,
e sabedoria."
Carlos Costa, Director da
Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto
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"Os aspectos mais decisivos (...) foram a
sua coragem quando enfrentamos os momentos mais difíceis
e a sua capacidade e firmeza de decisão."
Luís Carneiro, coordenador da Unidade
de Engenharia de Sistemas de Produção (UESP)
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"...pode e deve ser considerado o “Pai”
do INESC Porto. É por isso natural que, na hora da
passagem do testemunho, nos sintamos todos um pouco
órfãos..."
Graça Barbosa, responsável do
Departamento de Informação e Logística (DIL)
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"O seu empenho, a sua seriedade, a convicção
na forma de transmitir as suas ideias, bem como a sua
dedicação inexcedível, marcaram profundamente a forma de
dirigir o INESC Porto e para onde nos dirigimos como
instituição."
Marta Barbas, responsável pela Área de
Controlo de Gestão (DIL)
|
"O Professor tem um discurso que convence,
inspira confiança, toma as decisões com grande coragem e tem
de todos o maior respeito."
Paula Faria, responsável pela Área de
Contabilidade e Finanças (DIL)
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